A teoria das condictiones e o direito brasileiro: uma nova abordagem do enriquecimento sem causa

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2018
Autor(a) principal: Cabeleira, Caio Martins
Orientador(a): Não Informado pela instituição
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Link de acesso: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-29062023-162730/
Resumo: A presente tese tem por objetivo investigar uma possível teoriazação condictio (prevista em nosso ordenamento, de modo geral, como pagamento indevido), e sua natureza jurídica. Parte considerável da doutrina brasileira fundamenta a pretensão da repetição de indébito no princípio de vedação ao enriquecimento injusto ou mesmo na obrigação de restituição do enriquecimento sem causa prevista no art. 884 e ss do Código Civil. O estudo histórico, no entanto, demonstrou que o pagamento indevido - tradicionalmente chamado de condictio indebiti ou sine causa - em seu uso típico e usual não era uma ação de enriquecimento. O enriquecimento injusto enquanto fonte autônoma de obrigações só ganhou esse status no final da Idade Média, por forte influência do direito restitutório canônico, principalmente dos escolásticos tardios espanhóis que influenciaram diretamente a obra de GRÓCIO, considerado o primeiro jurista a conceber o enriquecimento sem causa como fonte obrigacional de maneira clara e sistemática. A ação de enriquecimento se caracteriza por ter seu objeto limitado ao enriquecimento ocorrido no patrimônio da parte enriquecida, tornando-se uma verdadeira ação indenizatória, não pelo dano (em sentido estrito), mas pelo ganho indevido ainda existente no patrimônio do enriquecido (in quantum factum locupletior est). Essa característica das ações de enriquecimento e sua natureza indenizatória contrastam com o objeto da pretensão da repetição de indébito (i.e. das condictiones), que é sempre um certum, uma repetição. O direito comum, de modo geral, manteve a condictio regrada nos quasi-contratos, em separado dos casos de enriquecimento, tutelados pela actio de in rem verso utiles ou negotiorum gestorum indireta utiles, tal como fez o ABGB austríaco e o ALR prussiano. O Code Civil sequer positivou qualquer ação de enriquecimento, tendo positivado suas diversas aplicações esparsamente no código, sem lhes atribuir um caráter especial, tal como fez o Código Civil de 1916. Foi devido a obra de SAVIGNY que a condictio se elevou a uma ação geral de enriquecimento, tornando-se positivada no BGB como uma cláusula geral. No entanto, mesmo na Alemanha, os juristas majoritariamente adotam a doutrina da separação do enriquecimento, dividindo-se os casos onde existe uma atribuição patrimonial, um negócio jurídico entre as partes (Leistungskondiktion) e os enriquecimentos sem negócio jurídico (atrelados historicamente à actio de in rem verso). O que se sustenta neste trabalho é que o enriquecimento sem causa em sentido restrito, isto é, os enriquecimentos derivados de uma atribuição patrimonial, não são figuras jurídicas atreladas ao enriquecimento injusto, mas sim aos negócios jurídicos. São, em verdade, pretensões de resilição contratual espeficicamente dos contratos de atribuição patrimonial. Essa característica está presente nas condictiones desde o tempo romano clássico e constitui a teoria da condictio defendida nesta tese. A natureza contratual do pagamento indevido se nota pelo requisito da causa da atribuição patrimonial, o qual sempre está relacionado a finalidade da atribuição patrimonial em si. A finalidade pode ser acordada entre as partes ou somente pela parte atribuinte, desde que seja uma finalidade essencial. Frustrada a finalidade da atribuição, nasce a pretensão de resilição do negócio jurídico de atribuição e da consequente restituição do ativo patrimonial atribuído. Tal concepção inclui a obrigação derivada da condictio no campo dos negócios jurídicos, excluindo-a totalmente do enriquecimento injusto. O Código Civil de 1916 fora original e autêntico no regramento da matéria, tendo recusado adotar uma ação geral de enriquecimento, embora a doutrina e jurisprudência tenham reconhecido o enriquecimento injusto como fonte subsidiária de obrigação, ao modelo da actio de in rem verso francesa. O Código Civil de 2002 adotou posição similar ao Código Italiano de 1942, positivando o enriquecimento sem causa como fonte autônoma de obrigações mas subsdiária , regrando o pagamento indevido separada e anteriormente ao enriquecimento. No direito positivo brasileiro, portanto, as condictiones quando não regradas especificamente no código devem ser aplicadas por meio do pagamento indevido. O pagamento indevido não é ação de enriquecimento e não é limitado apenas aos casos de pagamento, mas toda repetição do indevido, ou seja, é verdadeira condictio sine causa. Por ser pretensão essencialmente contratual submete-se aos prazos prescricionais gerais e não ao prazo do enriquecimento sem causa.