Aspectos não-motores como desfechos clinicamente relevantes na Doença de Machado-Joseph : qualidade de vida, cognição e manifestações neuropsiquiátricas

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2022
Autor(a) principal: Bolzan, Gabriela
Orientador(a): Jardim, Laura Bannach
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: eng
Instituição de defesa: Não Informado pela instituição
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Link de acesso: http://hdl.handle.net/10183/254277
Resumo: Introdução: A Ataxia Espinocerebelar tipo 3 ou Doença de Machado- Joseph (SCA3/MJD), é uma doença de herança autossômica dominante, causada pela expansão de uma sequência repetitiva CAG (CAGexp) no gene ATXN3. Esta doença tem uma constelação de manifestações motoras e não-motoras. Os sinais e sintomas motores são bastante proeminentes e podem ser cerebelares, piramidais, extrapiramidais, oculomotores e de neuropatia periférica. Os sintomas não-motores são menos explorados nesta doença e por isso foram o enfoque deste trabalho. A qualidade de vida, por sua crescente importância na prática clínica e enquanto desfecho de ensaios clínicos; e as manifestações cognitivo-afetivas, por seu potencial de causar grandes prejuízos à qualidade de vida dos portadores da SCA3/MJD, foram os desfechos não-motores escolhidos para serem investigados e comporem o corpo da presente tese. Objetivos: Fazer uma revisão da literatura acerca dos biomarcadores na SCA3/MJD, descrever a qualidade de vida e os aspectos cognitivo-afetivos em diferentes fases da doença, contribuir para a construção de uma assinatura cognitiva para a SCA3/MJD, estabelecer o potencial de instrumentos de qualidade de vida e de avaliação cognitivo-afetiva como biomarcadores desta doença. Métodos: O presente estudo teve três braços. Em um primeiro momento, fizemos uma revisão sistematizada da literatura acerca do potencial de compostos bioquímicos e parâmetros neurofisiológicos como biomarcadores na SCA3/MJD. A seguir, para investigar o potencial de manifestações não-motoras como biomarcadores da doença, realizamos dois estudos observacionais transversais independentes. No primeiro, estudamos a qualidade de vida em atáxicos e em pré- atáxicos, comparados com controles, utilizando as escalas EQ-5D-3L e SF-36. No segundo, estudamos as manifestações cognitivo-afetivas também de atáxicos, pré- atáxicos e controles, utilizando as escalas Cerebellar Cognitive-Affective Syndrome Scale, Stroop Color-Word Test (SCWT), Trail-Making Test (TMT), e Reading the Mind in the Eyes Test (RMET). No estudo sobre a qualidade de vida, a determinação do status atáxico foi realizada por um escore maior do que 2,5 na Scale for Assessment and Rating of Ataxia (SARA); a gravidade neurológica foi determinada pelas escalas SARA, Neurological Examination Score for Spinocerebellar Ataxia (NESSCA), International Cooperative Ataxia Rating Scale (ICARS), Inventory of Non-Ataxia Symptoms (INAS), SCA Functional Index (SCAFI), and Composite Cerebellar Functional Severity Score (CCFS). No estudo sobre cognição, a determinação do status clínico ou pré-clínico foi realizada ora pela SARA, ora por um escore maior do que 4 no domínio de atividades da vida diária da escala Friedreich Ataxia Rating Scale (FARS-ADL) - a partir da observação de que este ponto de corte tem sensibilidade e especificidade de definir o estado atáxico de 0,94 e de 0,92 respectivamente. Todos os sujeitos atáxicos ou em risco para SCA3/MJD foram genotipados, os últimos de forma duplo-cega. Com estes dados, os sujeitos foram agrupados como atáxicos, pré-atáxicos e controles; eventualmente os pré-atáxicos foram subdivididos entre pré-atáxicos perto (PAN) ou longe do início dos sintomas (PAFF), o ponto de corte sendo de 4 anos antes da idade prevista para o início da ataxia (PAO). Os resultados foram comparados para definir se as variáveis distinguiam os três (ou quatro) grupos. Depois, os resultados das variáveis de interesse (qualidade de vida e depois cognição) foram correlacionados com o tempo biológico da doença e com as escalas motoras disponíveis. O tempo biológico foi determinado pelo tempo desde o início dos sintomas (TimeAfter), para os atáxicos. O tempo que faltava para o início da ataxia (TimeTo) nos pré-atáxicos foi determinado pela diferença entre a idade do sujeito e sua PAO, estimada pelo tamanho da sua CAGexp. Modelos mistos foram utilizados na análise, que usou um p<0,05 após correções para múltiplas testagens. Resultados: A revisão sistematizada levantou que existem na literatura diversos candidatos com potencial para serem bons biomarcadores na SCA3/MJD, mas a maioria deles foi investigada com tamanhos amostrais reduzidos, em estudos sem um desenho adequado à sua validação como biomarcadores, e sem a inclusão de indivíduos portadores pré-atáxicos. Além disso, a maioria dos candidatos investigados toma como base de comparação os desfechos motores, e os desfechos não-motores têm sido bastante negligenciados. O estudo observacional sobre qualidade de vida recrutou 23 atáxicos, 33 pré-atáxicos e 21 controles. Diferenças significativas foram observadas entre atáxicos e controles com o EQ-VAS, o EQ-5D Index e em alguns domínios da EQ-5D-3L e da SF-36. A EQ-5D Index teve o melhor tamanho de efeito para distinguir estes dois grupos (Cohen's d = 2.423). Os valores observados nos três grupos sugeriram uma piora gradual entre controles, pré-atáxicos e atáxicos, embora as diferenças não tenham sido significativas. O TimeToAfterOnset se correlacionou com EQ-5D Index, EQ- VAS e SF-36 Physical functioning, Role Physical, Pain e General Health. A EQ-5D Index e a EQ-VAS se correlacionaram com as escalas clínicas no grupo atáxico. O estudo observacional sobre cognição investigou 23 atáxicos, 35 pré-atáxicos e 58 controles selecionados de forma randomizada para que em cada grupo, 25% e 100- 25% deles tivessem sido examinados presencial e remotamente. A CCAS-S, as fluências semântica e fonêmica, o category switching, o afeto, o SCWT e o RMET revelaram-se significativamente diferentes na comparação entre atáxicos e controles. Pré-atáxicos tiveram novamente resultados intermediários tal que foram estatisticamente semelhantes tanto aos dos controles como aos dos atáxicos. Essas variáveis novamente se correlacionaram com o TimeToAfterOnset e com a SARA, entre todos os portadores de SCA3/MJD. A CCAS-S foi a variável cognitiva com as mais fortes correlações tanto com o tempo biológico como com a SARA Conclusão: A busca por biomarcadores na SCA3/MJD necessita de estudos transversais e longitudinais planejados para este fim. Manifestações não- motoras na SCA3/MJD, como alterações na qualidade de vida e manifestações cognitivo-afetivas, já parecem estar presentes em estágios pré-atáxicos da doença e possuem bons potenciais como biomarcadores para serem utilizados em conjunto com outros desfechos clínicos. Os dados cognitivo-afetivos sugerem, ainda, um caminho específico de progressão do processo neurodegenerativo. Embora todos os candidatos não-motores aqui examinados possam ser úteis no seguimento da SCA3/MJD e deveriam ser avaliados em estudos longitudinais, os mais promissores foram EQ-5D Index para qualidade de vida e CCAS-S para manifestações cognitivo-afetivas. Nossa sugestão é a de que eles sejam aproveitados como desfechos secundários pelo valor que terão em sustentar a importância clínica, biológica e social de se modificar desfechos primários mais duros e responsivos em futuros ECR nesta condição.