Avaliação remota das incapacidades motoras e da fala na doença de Machado-Joseph

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2022
Autor(a) principal: Miglorini, Elaine Cristina
Orientador(a): Jardim, Laura Bannach
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Dissertação
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Não Informado pela instituição
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Palavras-chave em Inglês:
Link de acesso: http://hdl.handle.net/10183/253195
Resumo: Base teórica: Durante a pandemia de COVID-19 em muitos locais as avaliações presenciais relacionadas à pesquisa foram interrompidas, levando à necessidade de adaptação de muitos projetos. Isso fez com que buscássemos métodos alternativos para a avaliação dos sujeitos com ataxia espinocerebelar tipo 3 (SCA3/MJD), que pudessem ser realizados de maneira remota. A SCA3/MJD é uma condição genética rara e neurodegenerativa, causada por uma expansão de trinucleotídeos CAG no gene ATXN3. O quadro clínico desta doença é composto primordialmente por sintomas cerebelares, e a disartria é um dos seus principais achados. A avaliação da fala e da disartria tem sido utilizada no estudo de diversas doenças neurodegenerativas, como biomarcador de progressão ou do início da doença. Dois métodos estão disponíveis. O primeiro e mais bem estabelecido é a análise perceptiva auditiva (APA), realizada pelo julgamento de avaliadores treinados. O segundo método é mais objetivo e é gerado pela análise instrumental ou computadorizada, também chamada de análise acústica. Esse método instrumental de análise da fala vem sendo cada vez mais utilizado no âmbito da pesquisa, mas também no da clínica. Apesar da ampliação dos seus usos, dados sobre padronização, confiabilidade e validade ainda não foram suficientemente obtidos, ainda mais para doenças específicas, como SCA3/MJD. Ao buscar estudar a fala de maneira remota em sujeitos com SCA3/MJD, duas questões principais surgiram como desafios para o nosso trabalho e por este motivo se tornaram as questões de pesquisa deste estudo. A primeira foi encontrar uma escala que pudesse substituir temporariamente a Scale for the Assessment and Rating of Ataxia (SARA) para a definição do estágio atáxico em portadores da mutação causal da SCA3/MJD. A segunda questão foi avaliar a factibilidade, a confiabilidade e a validade dos parâmetros da APA e da análise acústica da fala obtidos de forma habitual e também remota nesta população. Objetivos: O presente estudo foi dividido em dois objetivos principais: (1) identificar se o domínio de atividades da vida diária da Friedreich Ataxia Rating Scale (FARS-ADL) poderia temporariamente substituir o cutoff de 3 pontos da SARA para a definição de indivíduos atáxicos/sintomáticos; (2) avaliar a factibilidade e a confiabilidade das análises perceptiva-auditiva e acústica da fala em indivíduos sintomáticos com SCA3/MJD nas abordagens presencial e remota (via ligação telefônica), e determinar as variáveis com índices de confiabilidade suficientes para uso nessa condição; e trazer subsídios iniciais sobre a validade externa destas variáveis, para seu uso em futuros estudos observacionais na SCA3/MJD. Métodos: O primeiro objetivo envolveu a aplicação das escalas SARA e da FARS-ADL simultaneamente em pessoas sintomáticas com SCA3/MJD e seus familiares em risco. Os sujeitos tiveram os genótipos determinados, sendo que os examinadores e os participantes assintomáticos foram mantidos cegados para seus resultados. Os pontos de corte da FARS-ADL entre indivíduos atáxicos e pré-atáxicos foram definidos por meio de pontos de corte de máxima precisão e por uma curva ROC e índice de Youden. O segundo objetivo envolveu a análise da fala de indivíduos sintomáticos com SCA3/MJD através dos métodos perceptivo-auditivo e acústico, a partir de tarefas que avaliam as bases motoras da fala: fonação, articulação, respiração, ressonância e prosódia. Este estudo foi dividido em dois braços: o braço 1 compreendeu a avaliação presencial da fala em duas coletas com um intervalo de 10 minutos; o braço 2 foi composto de duas coletas da fala (seguindo o mesmo protocolo), sendo uma presencial e outra por ligação telefônica, com intervalo de até 7 dias, e aplicação da escala FARS-ADL. A APA resultou em seis variáveis: grau de disartria e desempenhos nas cinco bases motoras da fala - fonação, respiração, articulação, ressonância e prosódia. A avaliação acústica resultou em 45 variáveis dentre as cinco bases motoras. A partir destas coletas, a confiabilidade teste-reteste e a confiabilidade do método remoto comparado ao presencial foram testadas. As análises de confiabilidade foram obtidas através de coeficiente de correlação intraclasse (ICC) e kappa ponderado. As variáveis que alcançassem confiabilidade aceitável seguiram para validação externa com os parâmetros idade, duração da ataxia, tamanho da expansão CAG e pontuação na FARS-ADL; e variável perceptiva-auditiva relacionada, quando a variável em estudo fosse acústica. Resultados: No primeiro estudo foram incluídos 19 portadores de SCA3/MJD atáxicos, 13 pré-atáxicos e 13 controles relacionados. De acordo com o modelo de máxima precisão, os valores de FARS-ADL inferiores a 4 e superiores a 8 distinguiram pessoas não atáxicas de atáxicas. De acordo com a curva ROC, um escore FARS-ADL maior que 4 pontos fez o mesmo, com sensibilidade e especificidade de 0,94 e 0,92, respectivamente. O segundo estudo incluiu apenas sujeitos sintomáticos com SCA3/MJD, tendo sido dividido em dois braços: o do teste-reteste presencial (braço 1), que incluiu 17 participantes, e do teste presencial-remoto (braço 2), que incluiu outros 20 participantes. As avaliações da fala, tanto presenciais como por telefone, duraram até 15 minutos. A confiabilidade no teste-reteste foi boa ou excelente para todas as variáveis da APA e para 30 das 45 variáveis acústicas analisadas. Já no teste presencial-remoto a variável da APA da articulação e a maioria das variáveis da análise acústica não obtiveram índices adequados de confiabilidade. Apenas as variáveis acústicas referentes à respiração - tempo de fonação máxima (TMF) e tempo de fonação do PATAKA (PTK_phonationtime); referente à articulação - número de sílabas do PATAKA (PTK_nsyll); e referente à prosódia - frequência fundamental mínima na interrogação (Inter_FF_min) apresentaram ICCs de concordância absoluta considerados adequados (>0,7). Para as avaliações presenciais a fonação, a ressonância e a articulação se correlacionaram com a idade e a duração da ataxia, e o grau de disartria se correlacionou apenas com a duração da ataxia. Na análise acústica diversas variáveis correlacionaram-se com idade, duração da ataxia, CAGexp ou com a sua variável da APA correspondente. Para as avaliações remotas as APAs não se correlacionaram com a idade, com a duração da ataxia e com o CAGexp, porém a fonação, a respiração, a ressonância e o grau de disartria se correlacionaram com a FARS-ADL. Os parâmetros acústicos TMF e PTK_phonationtime se correlacionaram com a variável da APA correspondente, com a duração da ataxia e com a FARS-ADL, o PTK_nsyll correlacionou-se apenas com a FARS-ADL e a Int_FF_min apenas com a CAGexp. Conclusão: Avaliações remotas são uma necessidade tanto no ambiente clínico como no de pesquisa, não só durante períodos de pandemia, mas também por outros motivos como maior alcance de pacientes e maior frequência de avaliações. Este tipo de avaliação deve continuar sendo uma demanda no futuro médio, inclusive na SCA3/MJD. A FARS-ADL é uma escala de fácil aplicação remota. Apesar de não detectar ataxia, e sim limitações funcionais, parece ser um bom preditor da presença de ataxia em pessoas em risco para SCA3/MJD. Mais estudos são necessários para confirmar os atuais pontos de corte e precisão da FARS-ADL para este uso temporário e remoto em SCA3/MJD e em outras ataxias hereditárias. As avaliações da fala são métodos não invasivos, fáceis de serem executados e que envolvem instrumentos de amplo acesso (como notebook, smartphone, softwares de uso livre) e outros de relativamente baixo custo (microfone e adaptador). Esse foi o primeiro estudo que avaliou a confiabilidade e a validade da APA e das medidas acústicas em sujeitos com SCA3/MJD. Nossos resultados corroboram os achados de estudos prévios que indicam que a melhor forma de avaliação ainda é presencial, mantendo alguns requisitos mínimos de qualidade e padronização. No entanto, nosso estudo também mostrou que, nos casos em que há a necessidade de avaliação remota, quase todas as variáveis da APA e algumas variáveis da análise acústica têm confiabilidade adequada para seu uso, além de apresentarem índices iniciais de validação externa também aceitáveis.