Testemunho e rupturas com o desmentido social: compreensões a partir da obra "Eu, travesti"

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2024
Autor(a) principal: Gabalde, Christian Thiago da Silva [UNESP]
Orientador(a): Não Informado pela instituição
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Dissertação
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Link de acesso: https://hdl.handle.net/11449/257862
https://orcid.org/0000-0001-8438-2816
Resumo: Os xingamentos, os apelidos, o soco, o empurrão, o chiclete no cabelo, a cabeça dentro do vaso sanitário, o olho vermelho, a boca que sangra, o pericrânio aberto pelo pedaço de lâmpada que fora projetado no centro da cabeça, a pele esfolada, o membro decepado, a faca no peito e na garganta, o olho arrancado, os chutes no órgão genital, o cabo de vassoura como ameaça, o medo constante e diário, a covardia que impera. Em uma sociedade cisheteronormativa, quem, de alguma forma, é dissidente da norma é exposto a violências que são tão mais severas quanto maior a percepção social da ruptura com a “pedagogia do armário”. Assim, homens homossexuais percebidos como “efeminados”, mulheres lésbicas percebidas como masculinas, travestis e pessoas transgêneras são ainda mais discriminados e violentados. Elementos representados socialmente como femininos, por meio de corpos que nasceram com pênis, acionam os mecanismos heteroterroristas que visam a conformação de sujeitos às normas. A violência repetida e não reconhecida é elemento de caráter traumático, tanto no âmbito individual quanto social. Ferenczi, ao discutir as dimensões do trauma, refere- se ao momento em que a violência ocorre, mas destaca outro. O autor enfatiza o momento do testemunho, em que quem sofreu a violência busca escuta, acolhimento e reconhecimento de sua dor. Contudo, quando o testemunho não pode ocorrer, ou é deslegitimado, institui-se o desmentido, momento em que, de fato, se instala o trauma. Pelo desmentido, não existe o reconhecimento da existência do ocorrido e a história do sujeito permanece camuflada ou sendo vista como mentirosa. Dizemos de desmentido social quando a violência afeta grupos e a desautorização da dor sofrida pelos mesmos, se dá em âmbito também coletivo. A narrativa sensível do vivido e a arte são elementos que comparecem com potencial reparatório tanto para quem é autor/a, quanto para quem se encontra com a produção e partilha dela. Há autobiografias que são narrativas testemunhais de pessoas que não se alinham às normas. Entre essas narrativas, elegeu-se “Eu, travesti: memórias de Luísa Marilac” como objeto de análise no presente trabalho. Tem-se por objetivo geral analisar a obra “Eu, Travesti”, de Luisa Marilac escrita com o apoio de Nana Queiróz, tomando-a como relato testemunhal, buscando compreender os processos de desmentido social imputados a Luísa e pessoas travestis, assim como o possível potencial da autobiografia para a ruptura com os silenciamentos e desautorização de pessoas que rompem com a cisheteronormatividade. Trata-se de um estudo qualitativo que assumiu como caminho de análise de dados a análise de conteúdo. A análise da obra nos aponta que a possibilidade de testemunho da violência é elemento fundamental na construção de um primado ético. Luísa, por sua narrativa, participa da ruptura com arquivamentos e pagamentos de violências sofridas por pessoas trans de modo que, no presente e futuro, possam ser promovidos o respeito às diversidades de gênero. Por seu testemunho, apresenta-nos caminhos de enfrentamento da violência e construção criativa da estética de sua existência. Trata-se de um importante material de trabalho para processos formativos, podendo colaborar com a ruptura com os processos de abjeção e desmentido social imputados a pessoas que são dissidentes da cisheteronormatividade.