Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: |
2018 |
Autor(a) principal: |
Oliveira, Samuel Gomes de |
Orientador(a): |
Battisti, Elisa |
Banca de defesa: |
Não Informado pela instituição |
Tipo de documento: |
Dissertação
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Tipo de acesso: |
Acesso aberto |
Idioma: |
por |
Instituição de defesa: |
Não Informado pela instituição
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Programa de Pós-Graduação: |
Não Informado pela instituição
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Departamento: |
Não Informado pela instituição
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País: |
Não Informado pela instituição
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Palavras-chave em Português: |
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Palavras-chave em Inglês: |
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Link de acesso: |
http://hdl.handle.net/10183/188295
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Resumo: |
Este trabalho investiga o ingliding variável de vogais em sílabas tônicas (né~né[ɐ]; agora~ago[ɐ]ra) no português falado em Porto Alegre (RS). Explora significados sociais e estilos de vida associados à variável, com o objetivo de descobrir e explicar o padrão de variação e as práticas sociais que o sustentam. Para tanto, realiza-se uma análise nas três ondas da sociolinguística (ECKERT, 2005, 2012), entendendo ingliding como prática estilística. Parte-se das hipóteses de que o ingliding, em termos linguísticos, (a) resulta de marcação de proeminência da frase entoacional (BATTISTI e OLIVEIRA, 2014); (b) surge em contextos de maior duração vocálica; (c) é favorecido por vogais médias-baixas (OLIVEIRA, 2016). Em relação ao encaixamento social, acredita-se que o ingliding seja favorecido por agentes sociais da segunda faixa etária, de classe social alta, que frequentam a Zona Central da cidade. Busca-se testar, também, a hipótese de que o processo esteja atrelado a personae mobilizadas por jovens que compuseram o movimento do Bom Fim dos anos 1980 (OLIVEIRA, 2016), razão pela qual o processo é percebido como característico do Bom Fim e de pessoas que têm sotaque e que podem ser descontraídas, descoladas, desencanadas e preguiçosas (OLIVEIRA, 2015). A metodologia do trabalho inclui análise de regra variável (de efeitos mistos) e análise de conteúdo de duas amostras: (1) dados de fala do Filme Sobre um Bom Fim (MIGOTTO, 2015); (2) dados de fala de 24 entrevistas sociolinguísticas do LínguaPOA, estratificadas por Gênero, Faixa Etária e Zona. Além disso, realizaram-se procedimentos etnográficos, com o comparecimento a uma edição do Sarau Elétrico, que reúne música e literatura e ocorre no Bar Ocidente (local de relevância para o movimento jovem dos anos 1980). Os resultados confirmam que o ingliding ocorre em contexto de proeminência prosódica na frase entoacional, sendo favorecido por vogais médias-abertas – mais próximas ao glide central que surge no processo e com maior duração intrínseca (LEHISTE, 1970) – e por pausa ou segmentos seguintes coronais (sendo desfavorecido por segmentos que podem resultar no encurtamento da vogal). Tais resultados indicam que o ditongo centralizado surge a partir da própria vogal nuclear (DONEGAN, 1978). O exame das proporções de aplicação indicam que o ingliding ocorre três vezes mais no Filme Sobre um Bom Fim (15,5%) do que na amostra do LínguaPOA (5%), o que se pode atribuir à persona ‘jovem do Bom Fim’, tomada como modelo cultural (GAL, 2016) e mobilizada por determinados participantes do Filme Sobre um Bom Fim para projetar traços de uma identidade social descolada, transgressora, louca, inovadora. No Sarau Elétrico, a aplicação de ingliding é capital cultural usado por agentes sociais que relembram, com saudade, o passado porto-alegrense. Participar do Sarau Elétrico e do bairro Bom Fim faz surgir um efeito de clube, em que os agentes sociais se distinguem dos demais através da detenção de capital econômico, cultural e social, exprimindo, no espaço físico, suas posições relativamente superiores no espaço social (BOURDIEU, 1998 [1993]). Na amostra do LínguaPOA, o ingliding é favorecido por homens e por pessoas da segunda faixa etária, o que confirma a hipótese de que o processo deve ter sido estilizado e assim adquirido alguma saliência social no movimento jovem dos anos 1980 do Bom Fim. Os informantes que mais produzem ingliding no LínguaPOA ocupam posições superiores no espaço social, partilham habitus de classe e não estão limitados ao gosto da necessidade (BOURDIEU, 2015 [1979/1982]). Há, no mínimo, dois estilos de vida dentre os informantes do LínguaPOA com falar marcado pelo ditongo centralizado: grupo A (mais afiliado ao estilo dos jovens do movimento dos anos 1980), composto por pessoas que, dentre outros aspectos, circulam a pé pelo centro da cidade (onde realizam práticas culturais), não ouvem rádio, tendem a ser favoráveis à legalização da maconha e mencionam políticos de partidos de esquerda como bons exemplos; grupo B (menos afiliado ao estilo dos jovens do movimento dos anos 1980), composto por pessoas que, dentre outros aspectos, circulam de carro na cidade (não no centro, mas preferencialmente na orla, onde praticam esporte ao ar livre, como corrida), ouvem rádio, são desfavoráveis à legalização das drogas e têm dificuldade em mencionar bons exemplos de políticos. Praticamente todos os informantes que mais produzem ingliding têm ocupações que demandam usos públicos eventualmente mais cuidados da linguagem (professores, vendedores), o que acontece também com comunicadores, razão pela qual o processo pode conferir lucro simbólico nessas situações comunicativas. Além disso, como todos esses informantes têm níveis socioeconômicos altos, o ingliding pode indexar mobilização de capital econômico. A diferença ideológica entre o grupo A e o grupo B pode significar que os informantes não partilham da mesma história indexical (JAFFE, 2016), razão pela qual constituem campos indexicais distintos, que estão em constante processo de reconstrução (SILVERSTEIN, 2003; ECKERT, 2008). A coerência entre os diferentes campos indexicais está nos traços descolado, despojado e descontraído, presentes nos dois estilos de vida. O grupo A opõe descolado a careta, podendo indexar, ao ingliding, os significados transgressor, louco e maconheiro, como os jovens do Bom Fim nos anos 1980. O grupo B opõe despojado a arrumado, podendo indexar, ao ingliding, os significados esportista e praieiro. Juntos, os dois grupos compõem diferentes personae opostas a uma elite formal, contida ou esnobe. O ingliding, que também pode significar pertença a Porto Alegre, não é necessariamente mobilizado conscientemente, o que não atenua os efeitos ideológicos de seu uso (ECKERT, 2016). A liberdade associada ao ingliding se mostra inclusive nas disposições da hexis corporal como um estilo articulatório (BOURDIEU, 2008 [1982]) atrelado não apenas à liberdade financeira, mas também à liberdade estilística. |