Significação social do ingliding do falar porto-alegrense : percepção e avaliação linguística

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2022
Autor(a) principal: Oliveira, Samuel Gomes de
Orientador(a): Battisti, Elisa
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Não Informado pela instituição
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Palavras-chave em Inglês:
Link de acesso: http://hdl.handle.net/10183/257923
Resumo: Esta tese investiga a significação social do ingliding de vogais em sílabas tônicas, processo que gera ditongos centralizados (caf[ɛɐ], ag[ɔɐ]ra) no português falado em Porto Alegre (RS). Compreendendo que o ingliding constrói personae (ECKERT, 2008) e estilos de vida (BOURDIEU, 2015 [1979/1982]), o trabalho busca descobrir de que forma a variante ditongada é percebida e avaliada por porto-alegrenses, gaúchos e brasileiros. Aventa-se a hipótese, com base nos resultados de produção linguística (OLIVEIRA, 2018, 2021), de que os significados sociais do ingliding possuam intersecções com características comumente atribuídas a disposições corporais distensas, o que pode ocorrer via relação icônica (ECKERT, 2019), já que o ingliding surge de uma configuração articulatória (PRATT, 2018; HONIKMAN, 1964; LAVER, 1980) relaxada. Para realizar a investigação, os resultados dos estudos de produção linguística do ingliding servem de base para a elaboração de dois experimentos, ambos de tipo matched-guise technique (LAMBERT et al., 1960), aplicados de maneira online, via Google Forms, a ouvintes porto-alegrenses, gaúchos e brasileiros. O primeiro experimento, referido no trabalho como Experimento de Percepção e Avaliação, conta com questões de quatro tipos: diferenciais semânticos, escolhas forçadas, caixas de seleção e caixas de texto. Além disso, informações pessoais dos ouvintes foram coletadas, de modo a testar a influência de seus perfis sociais nas respostas dadas nos questionários. Busca-se descobrir se oposições como descolado-formal, expressivas para diferenciar estilos com e sem ingliding nos estudos de produção, aparecem também em termos de percepção e avaliação linguística. O experimento conta com áudios com e sem ingliding gravados por dois porto-alegrenses, um homem e uma mulher, além de áudios do tipo distrator, gravados por pessoas de fora de Porto Alegre, com as funções de familiarizar os ouvintes com o teste e distraí-los de seu propósito principal. O questionário foi respondido por 369 ouvintes. Os resultados do Experimento de Percepção e Avaliação revelam que o falar com ingliding é percebido e avaliado de maneira semelhante por porto-alegrenses, gaúchos e brasileiros, que diferem principalmente na atribuição do falar a regiões: para brasileiros, é um falar do Sul, para gaúchos e porto-alegrenses, é um falar de Porto Alegre. Em linhas gerais, o falar com ingliding é avaliado como menos agradável e percebido como menos natural, claro, formal, e mais cantado do que o falar sem ingliding. Classificado como marca de sotaque, o falar com ditongo centralizado é mais associado a falantes que podem ser descolados, malandros, expansivos, metidos, esnobes, ricos, e menos associado a falantes sérios, preocupados, reservados, esforçados, sociáveis, honestos, modestos. Embora os agentes sociais que mais produzem ingliding nos estudos de produção linguística queiram se marcar como pessoas que não são metidas ou esnobes, eles são assim avaliados, o que pode ser resultado da relação entre ingliding e classe social: quem mais produz ingliding ocupa posições superiores no espaço social (OLIVEIRA, 2018, 2021), de forma que o processo pode, de maneira mais ampla, indexar classe mais alta, sendo associado a uma tentativa de enquadramento a essa posição social e, por extensão, a pessoas metidas e esnobes. A falante mulher que gravou áudios para o experimento é quem recebe menos avaliações positivas quando produz ingliding, o que pode ter a ver com o entendimento dos ouvintes sobre papéis de gênero, levando-os a atribuir características negativas à falante quando ela rompe com expectativas calcadas na lógica da dominação masculina (BOURDIEU, 2012 [1998]) e faz uso de uma variável que indexa traços relacionados a menor formalidade e maior descontração, simbolicamente associados a construções identitárias masculinas. Os ouvintes também associam os falantes, em suas emissões com ingliding, a práticas realizadas fora de casa, como viajar e frequentar baladas, por exemplo. Os resultados das questões de diferenciais semânticos do Experimento de Percepção e Avaliação podem ser reorganizados em três Componentes Principais: sociabilidade, formalidade e sotaque. A percepção de sociabilidade em falares com e sem ingliding apresenta valores praticamente sobrepostos, o que não ocorre nos outros componentes: o falar com ingliding é atribuído a menores valores de formalidade e a maiores valores de sotaque. Em relação a sotaque, os ouvintes porto-alegrenses, isto é, que compartilham a comunidade de fala com os falantes que gravaram estímulos de áudio, assinalam valores menores para a escala se comparados a falantes de fora da comunidade de fala. O segundo experimento, chamado de Experimento do Ilustrador, solicita aos ouvintes que ouçam um áudio e assinalem, dentre duas opções de ilustração, qual delas combina mais com a pessoa ouvida na gravação. As ilustrações são compostas de silhuetas de uma mesma pessoa desenhada em duas disposições corporais diferentes, uma tensa e outra distensa. Com o experimento, busca-se investigar se a interpretação de que os significados sociais do ingliding estão associados a disposições corporais relaxadas encontra respaldo na percepção dos ouvintes. Dois homens e duas mulheres porto-alegrenses gravaram áudios com e sem ingliding para compor o experimento, que também contou com áudios de tipo distrator gravados por um homem e por uma mulher que não são porto-alegrenses. 283 pessoas responderam ao questionário. Os resultados do Experimento do Ilustrador revelam que o falar com ingliding é associado a posturas corporais distensas, o que independe da localidade do ouvinte. Considerando a materialidade da linguagem (AGHA, 2006), ou seja, sua natureza corporificada, os resultados parecem mostrar que há características da própria realização física da vogal ditongada, marcada por relaxamento de tensão articulatória, que estão por trás de intersecções nos significados sociais. O ingliding pode se associar a alguns significados sociais através da iconicidade, atrelada ao caráter corporificado da linguagem: trata-se de uma variável que surge de perda de tensão articulatória e que compõe significados relacionados a usos distensos do corpo. A oposição tensão-distensão, presente nos esquemas corporais, organiza diversos significados sociais do ingliding: o processo é mais associado a características que têm a ver com usos distensos do corpo (descolado, expansivo, malandro), percebidas em diferentes culturas como opostas a traços de polidez, refinamento e respeitabilidade (AGHA, 2006) e associadas a usos do corpo típicos de classes mais altas (BOURDIEU, 2015 [1979/1982]). Além disso, os resultados revelam que as falantes mulheres são significativamente menos associadas a posturas distensas do que os falantes homens, e mais relacionadas às posturas tensas, o que corrobora a interpretação de que a percepção dos ouvintes é influenciada por concepções arraigadas de papéis de gênero, em que se espera menos relaxamento e distensão de corpos de mulheres. A partir dos resultados de ambos os experimentos, propõe-se que o ingliding seja uma variável integrada a usos estilísticos do corpo, uma vez que pode ser um dos resultados de um relaxamento do corpo com um todo, traço utilizado estilisticamente para criar personae e que pode ser registrado (AGHA, 2006). Assim, o ditongo centralizado possui significados sociais mediados pelo corpo, que parecem ser pontos de intersecção tanto entre produção e percepção linguística, quanto entre as percepções da variável por ouvintes de diferentes localidades, podendo constituir o cerne dos campos indexicais do ingliding. Os resultados desta investigação reforçam a importância de considerar a configuração articulatória e a configuração de maxilar (PRATT, 2018; PRATT e D’ONOFRIO, 2017) em estudos linguísticos, que devem contemplar a corporificação como aspecto central (PODESVA, 2021) às análises variacionistas.