"Os ministros do Supremo Tribunal estão divididos em dois grupos que se digladiam" : cultura jurídica e política no Supremo Tribunal Federal (1906-1915)

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2016
Autor(a) principal: Machado, Gustavo Castagna
Orientador(a): Flores, Alfredo de Jesus Dal Molin
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Não Informado pela instituição
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Palavras-chave em Inglês:
Link de acesso: http://hdl.handle.net/10183/170665
Resumo: A presente tese investigou quais foram, como foram produzidas e quais os motivos para a produção das doutrinas jurídicas utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal para decidir os habeas corpi relativos a casos políticos dos estados e distrito federal entre 1906, a partir da tensão surgida durante o governo Afonso Pena entre os correligionários de Pinheiro Machado e a base de sustentação do presidente no Congresso, e 1915, ano do assassinato do senador. Foi empregada a obra de Michael Stolleis como referencial teórico, que busca articular história, história do direito e história da ciência do direito, utilizando o termo “história” não apenas com o significado de mudanças fáticas e normativas, mas também com o de expressão, preparação e compreensão intelecto-linguística dessas mudanças, tratando-se sempre da interação entre a transformação histórica e um pensar que conceitua, podendo o pensamento preceder os acontecimentos ou segui-los, comentando-os e interpretando-os. A presente tese foi dividida em dois capítulos. No primeiro, trata-se do surgimento da primeira república, suas características básicas, instituições relevantes para a presente tese e a cultura jurídica do período, com análise das faculdades, livros, perfil dos juristas etc. Esse capítulo é importante para balizar os limites das discussões político-jurídicas, por exemplo, e para ver que a forma como os juristas decidiram os processos no STF no período investigado não constituiu uma “exceção”. No segundo capítulo, sendo realizada a divisão das seções de acordo com os governos do presidentes no período pesquisado, é analisada a relação do STF com a política no período pesquisado, mediante a análise dos processos de habeas corpus relativos a casos políticos dos estados e distrito federal. O auge da tensão foi durante o governo Hermes da Fonseca, durante a política das salvações e a posterior reação pinheirista, quando vários casos políticos foram judicializados e parte dos ministros do tribunal era identificada com o hermismo, outra parte identificada com o pinheirismo (ambos os grupos normalmente aliados), assim como parte era identificada com a oposição. Foi um claro momento de divisão do STF na primeira república. No contexto de uma formação superior distante da excelência, marcada pelo autodidatismo, muitos dos ministros eram bons juristas de acordo com aqueles padrões, tendo conhecimento das doutrinas e autores, nacionais e estrangeiros, relevantes naquele tempo e espaço, e eram capazes de elaborar doutrinas jurídicas de aparência sofisticada, convincentes, sem contradições lógicas grosseiras, a partir de um amplo e desconexo quadro de referências nacionais e estrangeiras, com o objetivo de defender suas posições. Eram os “jurisconsultos adaptáveis” (Seelaender) em ação. Para identificar a estratégia doutrinária adotada pelos ministros, entendeu-se que a análise isolada de doutrinas do habeas corpus, desconsiderando o contexto político da época e discussões jurídicas paralelas sobre teorias de intervenção federal, estado de sítio, controle de constitucionalidade e separação de poderes, seria muito despistadora. É fundamental compreender a interação entre essas teorias no pensamento jurídico dos atores pesquisados. Foi necessário compreender como essas teorias funcionavam de forma combinada nos votos proferidos pelos juízes em casos políticos para compreender a atuação dos ministros. Por exemplo, por um lado, pode-se ver que o hermista Enéas Galvão concomitantemente costumava atribuir ao habeas corpus um escopo mais amplo de proteção e de decidir que o Poder Judiciário não poderia controlar a constitucionalidade da intervenção federal e do decreto de estado de sítio emitido pelo Presidente da República. Por outro lado, pode-se ver que o perrepista Pedro Lessa concomitantemente atribuía ao habeas corpus um âmbito mais restrito de proteção, funcionando de forma semelhante a uma ação possessória, na forma como formulava o habeas corpus como meio apto para proteger “a liberdade-condição, a liberdade-meio, a fim de que se possa exercer a liberdade-fim”, e decidia que o Poder Judiciário poderia controlar a constitucionalidade da intervenção federal e do estado de sítio emitido pelo Presidente da República, e estabelecer limites, dando aos estados governados por oligarcas em oposição ao governo federal - com quem ele e sua facção estavam intimamente ligados - mais espaço para, ao mesmo tempo, evitar uma intervenção federal e lidar com oposicionistas locais nos estados. Claro, ao lado de juristas mais sofisticados, como Enéas Galvão e Pedro Lessa, havia outros menos sofisticados, que, além de adotar uma visão mais delimitadora do habeas corpus e do controle de constitucionalidade, e uma visão mais amplificadora da intervenção federal e do estado de sítio, tentavam resolver os casos de forma mais simples, com base exclusiva em questões processuais. Esse era o caso, e. g., do pinheirista Pedro Mibielli.