Resumo: |
O presente trabalho objetiva evidenciar os efeitos da heterocisonormatividade na vida de sujeitos não heterossexuais e não cisgêneros que têm suas trajetórias existenciais marcadas pela injunção crime-loucura. Para tanto, explora os processos penais que delimitam a vida das pessoas em sofrimento mental que cometeram crimes, os chamados pacientes judiciários, que recebem uma medida de segurança. Utilizando-se da genealogia como aporte metodológico, adentra-se nas condições de proveniência e de emergência do "anormal", figura produzida e capturada pelo discurso médico-jurídico através de um longo processo da psiquiatrização do desejo e da sexualidade que ocorreu ao longo do século XIX até os dias de hoje. Legitimada a partir de uma determinada racionalidade científica, tal trama discursiva criminaliza moralmente as expressões da sexualidade e de gênero, colando-as entre si, para lançá-las no campo da abjeção O estudo foi composto por duas estratégias de aproximação do campo de pesquisa: 1) narrativas produzidas a partir do cotidiano de um programa de desinstitucionalização de pacientes judiciários ao qual o pesquisador encontra-se vinculado; 2) seis peças judiciais, com ênfase nos laudos psiquiátricos, de pessoas não heterossexuais e/ou não cisgêneras que receberam uma medida de segurança. A análise do material recolhido permite verificar que a base teórico-conceitual da presunção de periculosidade na qual se sustenta a tese da medida de segurança objetifica-se no laudo psiquiátrico. Tal engrenagem médico-jurídica aponta para uma valoração moral com que as expressões da sexualidade e de gênero do paciente judiciário considerado "desviante" são avaliadas. Por fim, sinalizam-se alternativas de produção de novos modelos de tratamento para o paciente judiciário, que buscam superar a ficção da presunção de periculosidade como base pretensamente científica, revisar a inimputabilidade como dispositivo jurídico que viola direitos inalienáveis dos sujeitos e, por fim, incluam as diretrizes da reforma psiquiátrica brasileira entre as garantias de acesso à saúde a todo cidadão. |
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