Você tem sede de quê? O programa de cisternas na promoção da segurança alimentar no semiárido brasileiro

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2022
Autor(a) principal: Santos, Christiane Fernandes dos
Orientador(a): Souza, Cimone Rozendo de
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Programa de Pós-Graduação: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE - PRODEMA
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Brasil
Palavras-chave em Português:
Área do conhecimento CNPq:
Link de acesso: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/49927
Resumo: A seca que permeia o Semiárido nordestino, embora apresente um caráter natural, desencadeia vários problemas de ordem social, econômica e política, expressos, principalmente, pela fome, migrações, propagações de doenças e até mortes. Por décadas, o discurso de combate à seca tem fundamentado o delineamento das políticas públicas, entretanto, os seus resultados não foram suficientes para a resolução do problema. No final da década de 1990, com o fortalecimento do discurso sobre a convivência com o Semiárido, a problemática da água passou a ser vista sob um novo viés, pois se observou que a causa principal não era a escassez, mas as formas de distribuição, armazenamento e governança desse recurso. Dentro desse contexto, a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) desenvolveu o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Um Milhão de Cisternas Rurais, instigando a adoção da cultura do estoque da água, inicialmente, para o consumo humano, através do Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC) e, posteriormente, para a produção de alimentos, através do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). Dessa forma, a pergunta que direcionou o estudo em questão foi estruturada da seguinte maneira: como os programas de cisternas têm logrado democratizar o acesso à água, garantir segurança alimentar e ser um instrumento pedagógico de ampliação da autonomia dos beneficiários? Para tanto, a análise foi centrada no P1MC e no P1+2. O objetivo principal consistiu em analisar como as tecnologias advindas desses programas têm favorecido o acesso à água e ao alimento e, consequentemente, refletido na segurança alimentar das famílias beneficiadas. Para tal, esta Tese está organizada em quatro partes principais: a primeira trata dos aspectos teóricos metodológicos da pesquisa (introdução, fundamentação teórica e aspectos metodológicos); as demais partes consistem na elaboração de três artigos cuja finalidade foi refletir os objetivos específicos da pesquisa. O primeiro artigo, intitulado “Você tem sede de quê? Os programas de cisternas no Semiárido potiguar brasileiro como dispositivos de desenvolvimento”, objetivou analisar a evolução do processo de implementação dos programas de cisternas no Estado do Rio Grande do Norte, apontando as possíveis implicações do desmonte dessa política para as famílias rurais do Semiárido potiguar. A partir de revisão documental e bibliográfica, fora reconstituída a trajetória de execução desses programas e também desenvolvido o estado da arte, apresentando os possíveis cenários e consequências do seu esvaziamento. Esse artigo evidenciou que os programas de cisternas têm contribuições importantes para a agricultura familiar, que se expressam em diferentes dimensões: políticas, sociais, econômicas. Destacou-se o caráter includente da ação e a sua capacidade mobilizadora, construídos mediante a valorização dos saberes e da realidade do local. É proeminente nos estudos a referência à melhoria da qualidade de vida da população, que se iniciou com o acesso à água para consumo e, posteriormente, possibilitou a produção agroecológica, ampliando as possibilidades de segurança alimentar. Entretanto, a descontinuidade dessa política significa privar milhares de camponeses pobres de expandirem suas capacidades. Já o segundo artigo, “O P1+2 e a (in) segurança alimentar no Semiárido nordestino”, buscou compreender como o P1+2 ampliou o acesso à água e ao alimento, e como isso é refletido na segurança alimentar e nas diferentes formas de liberdades das famílias beneficiadas. Através de revisão de literatura e documental, contextualizou-se as políticas de desenvolvimento para o Nordeste, a trajetória do Programa e suas contribuições para as famílias beneficiadas. A análise foi feita sob a ótica do desenvolvimento como liberdade, de Sen (2010). Evidenciou-se que o Programa tem contribuições importantes, sobretudo, para a segurança alimentar das famílias beneficiadas. Porém, a sua descontinuidade representa um cenário de privações à segurança protetora, às oportunidades sociais e às liberdades individuais das pessoas. Por fim, o artigo “Para além da segurança alimentar: os programas de cisternas sob a ótica da colonialidade/decolonialidade” teve como objetivo refletir como o P1+2 promove processos de decolonialidades a partir do acesso à água e ao alimento. Como recurso metodológico, foi feita uma revisão de literatura e documental, assim como entrevistas com representantes de duas unidades executoras do Programa e com 42 famílias beneficiadas. A pesquisa de campo foi realizada no Território Sertão do Apodi, no Estado do Rio Grande do Norte (RN). A análise foi elaborada a partir do entendimento de colonialidade/decolonialidade conforme tratado por Maldonado-Torres (2007) e por Castro-Gómez (2012), dentre outros. Desse modo, pôde-se observar que o P1+2 se apresenta como instrumento de decolonialidade, visto que representa a conquista de toda uma luta que se fez – e se faz – em favor do acesso, domínio e gestão da água e do alimento pela soberania alimentar. Tal processo fundamenta-se em outras lógicas epistemológicas que se constroem pautadas na ecologia de saberes, conforme abordada por Santos (2007), possibilitando às famílias o rompimento de hierarquias que se construíram por décadas nos campos do saber, do poder e do ser através das políticas implementadas sob a ótica do combate à seca e da modernização agrícola. Apesar de ficar expressa a importância do programa como instrumento de decolonialidade, pôde-se perceber alguns elementos limitantes, como, por exemplo: a dificuldade financeira das famílias para assumir a contrapartida exigida pelo Programa; a dependência das famílias em relação ao poder público municipal para pagar a energia das bombas que abastecem as cisternas e, também, para o reabastecimento delas em períodos de estiagens; e a necessidade de comprar água em determinado período do ano. O estudo apresenta uma abordagem interdisciplinar, uma vez que mobiliza leituras e reflexões advindas de diferentes áreas do conhecimento. De modo geral, evidenciou-se que o P1MC e o P1+2 possibilitam o acesso à água e ao alimento, contribuindo para a segurança alimentar das famílias beneficiadas, constituindo-se como importantes instrumentos de decolonialidade e de liberdade.