“Eu fui tão feliz que dói!” - entre políticas de invisibilidade e políticas de existência: os Anacé e o Complexo Industrial e Portuário do Pecém, Ceará

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2023
Autor(a) principal: NÓBREGA, LUCIANA NOGUEIRA
Orientador(a): Não Informado pela instituição
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Universidade Estadual do Ceará
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Link de acesso: https://siduece.uece.br/siduece/trabalhoAcademicoPublico.jsf?id=111964
Resumo: Esta tese aborda o Complexo Industrial e Portuário do Pecém – CIPP, no Ceará, e o povo indígena Anacé, que ocupa tradicionalmente o território-destino de recursos financeiros e de políticas de Estado voltados à instalação de indústrias e de um conjunto logístico que integra porto, rodovias e ferrovia. No contexto da relação conflituosa que se estabeleceu, interessou-me compreender, por um lado, como o Estado vai agindo para instituir objetiva, social e simbolicamente um modelo de desenvolvimento como único possível e pensável, e, por outro lado, como os Anacé se mobilizaram para, não só resistir a esse processo, mas, estabelecendo práticas, alianças e compromissos, confrontar esse “desenvolvimento” a partir de suas formas específicas de fazer mundos e de (re)produzir a vida, o que denomino de políticas de existência. Assim, busquei, a partir de análise de processos judiciais e administrativos, de notícias de jornal e de entrevistas, realizar uma anatomia da atuação do Estado no contexto do CIPP, descrevendo algumas práticas levadas a cabo por agentes públicos e privados para produzir inexistências, ou seja, para negar a presença e a existência de pessoas, de coletivos e de conhecimentos que podem colocar em risco ou questionar a arquitetura ontológica que fundamenta o Complexo e, em perspectiva mais ampliada, o próprio capitalismo. Por outro lado, ao historiar o processo de luta e de resistência Anacé para permanecer no seu território de ocupação tradicional, apresentei, com base no emaranhado da vida concreta e da lógica do encontro e da partilha, alguns exemplos das políticas de existência Anacé: as retomadas, a mezinha e as práticas de cura, as práticas alimentares, as danças e rituais, em especial, a Dança do São Gonçalo. A pesquisa de campo foi realizada junto ao povo indígena Anacé que se encontra cindido entre a Terra Tradicional e a Reserva Indígena Taba dos Anacé, criada em 2018 para abrigar parte das famílias indígenas despojadas de seu território para implantação do CIPP. Tal material foi cotejado com pesquisa documental e bibliográfica, concentrada no período de 1995 a 2022. A necessidade capitalista de fixação, previsibilidade, segurança jurídica, estabilidade das relações, homogeneização, normalização, tudo isso vai de encontro ao que os Anacé apregoam: os consensos provisórios, a diversidade, a multiplicidade de vozes e de agentes, incluindo não humanos e mais que humanos, os encantados. As plantas, as pessoas, os animais, as serras, os serrotes, as lagoas, os lagamares, os coqueiros, tudo está imbricado na rede que compõe as políticas de existência Anacé. Se nos separar de nós mesmos, dos outros, do que chamamos de natureza é a tônica do momento presente, em que mais atomização e individualização geram, inclusive, a impossibilidade de questionarmos as grandes estruturas do capitalismo, os Anacé estão fazendo esforços para recompor, restaurar e promover a reversão dessas lógicas coloniais. Estão chamando para sentir o real não mediado pelas telas e nos provocando a partir do concreto, do palpável: a comida, a dança, os encontros, a luta.