Leishmaniose tegumentar com acome/mento mucoso: espectro clínico e acurácia dos métodos diagnósticos

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2021
Autor(a) principal: Pedras, Mariana Junqueira
Orientador(a): Cota, Gláucia Fernandes
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: s.n.
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Link de acesso: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/60595
Resumo: A leishmaniose com acometimento mucoso é a forma mais negligenciada das leishmanioses. No Brasil, a forma mucosa corresponde a cerca de 6% do total de casos de leishmaniose tegumentar (LT) notificados. Entretanto, faltam critérios bem definidos para a classificação da leishmaniose nas variações das formas cutânea e mucosa, o que pode gerar imprecisão nos dados de morbidade da doença. Em relação à condição propriamente dita, o comprometimento mucoso impõe desafios adicionais ao diagnóstico da leishmaniose, seja pela dificuldade de acesso às superfícies mucosas, seja pela escassez de parasitos nestes locais. Nesse contexto, esse estudo se propõe a identificar aspectos demográficos, clínicos, laboratoriais e evolutivos capazes de distinguir as diferentes apresentações clínicas observadas para leishmaniose tegumentar com acometimento mucoso, bem como descrever a acurácia para seu diagnóstico de um novo anticorpo monoclonal para imuno-histoquímica, duas técnicas de reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real (sistemas de detecção SYBER para alvo kDNA e sistema de detecção TaqMan para o alvo SSU rRNA) e uma técnica de PCR convencional para o alvo hsp70, além de cinco testes sorológicos em plataforma de imunoensaio. No ambulatório Alda Lima Falcão do Centro de Referência em Leishmanioses do Instituto René Rachou, entre abril de 2017 e setembro de 2020, foram recrutados 124 pacientes com alterações mucosas e suspeita de leishmaniose, sendo 100 deles confirmados com a doença pelo critério parasitológico ou molecular. Os pacientes foram reunidos em subgrupos com diferentes apresentações clínicas de acordo com a presença, localização e número de lesões de pele concomitantes à lesão mucosa, o que permitiu a identificação de suas especificidades. De interesse, pacientes com lesão mucosa exclusiva exibiam maior tempo de evolução da doença (12 meses) em relação àqueles com lesão mucosa associada a lesões de pele à distância (8 meses) (p=0,004), que por sua vez, exibiam maior taxa de acometimento da cavidade oral (44,2% vs. 20%) (p=0,011) e de positividade ao exame imuno-histoquímico (53% vs. 41%) (p=0,009). No subgrupo de pacientes com lesões de pele não contíguas à mucosa, identificou-se menor tempo de doença (3 vs. 11 meses daqueles com lesões de pele contíguas à mucosa) (p=0,002), mediana de 4 lesões de pele por paciente, predominantemente úlceras (90%). Observou-se ainda que pacientes com comprometimento mucoso com mais de seis lesões cutâneas (definição operacional de forma disseminada) eram significativamente mais jovens (44 vs. 62 anos) que aqueles com menos de seis lesões de pele (p=0,024). Pacientes com leishmaniose mucosa acometendo estritamente a topografia do nariz, ou seja, mucosa com ou sem o acometimento da pele adjacente, apresentavam tempo de evolução da doença significativamente maior (12 meses) em relação aos pacientes com doença não restrita ao nariz (8 meses) (p=0,002), que apresentaram maior taxa de reatividade ao ELISA in houve baseado em extrato de L. braziliensis (92,7% vs. 72,4%) (p=0,018). Já aqueles pacientes com acometimento mucoso restrito às vias aero digestivas altas, com ou sem lesões de pele contíguas, apresentaram maior percentual de falha terapêutica no seguimento de seis meses (16,7% vs. 3,5%) (p=0,025), em relação aos pacientes com outras apresentações clínicas. Em relação à acurácia diagnóstica dos testes, em avaliação incluindo todos os pacientes independentemente da apresentação clínica, observamos as maiores sensibilidades para os testes de PCR em tempo real (94,2% para qPCR/Syber e 87% para qPCR/TaqMan), ambos com especificidade em torno de 85%, sem diferença estatística entre eles. Entre os imunoensaios, sensibilidade moderada foi observada para dois testes: 71,7% para ELISA in house baseado em antígeno de L. braziliensis e 62,3% para ELISA comercial baseado em antígenos de L. infantum, sem diferença estatística entre eles. A sensibilidade da imuno-histoquímica foi de 45%, com especificidade de 90%. Em síntese, nossos resultados confirmam a existência de apresentações distintas para a leishmaniose com comprometimento mucoso, sendo a forma restrita ao nariz ou vias aéreo digestivas, com ou sem acometimento da pele adjacente, característica de pacientes mais velhos, com tempo de evolução de doença maior e tipicamente com lesões de pele do tipo infiltrativo, grupo esse que tem menor probabilidade de cura aos seis meses de seguimento. Pacientes com lesões de pele distantes do local de acometimento mucoso exibiram maior proporção de lesões de pele do tipo ulcerado e maior probabilidade de resultado positivo à imunohistoquímica, com tempo de evolução da doença menor, em comparação com pacientes com doença restrita às mucosas aero digestivas. Pacientes com acometimento mucoso no contexto de múltiplas lesões de pele, aqui arbitrariamente definidas como acima de seis, eram mais jovens que pacientes com lesões restritas ao nariz. Estas observações, embora ainda insuficientes pra sustentar algoritmos de abordagem de acordo com apresentação clínica, sugerem a existência de ao menos dois grupos de pacientes com acometimento mucoso por leishmaniose: um mais velho e com doença restrita à mucosa e seu entorno, de pior prognóstico e menor reatividade sorológica a teste baseado em antígenos de L. braziliensis, e outro mais jovem, com menos tempo de doença e presença de leões cutâneas à distância, com maior probabilidade de cura e maior probabilidade de diagnóstico por identificação do parasito no tecido. Estas observações começam a delinear alguns marcadores clínicos a serem explorados em futuros estudos, tais como a idade, o tempo de evolução dos sintomas e a presença e a localização das lesões de pele como possíveis critérios a comporem estratégias sistematizadas de testagem e abordagem terapêutica diferencial para pacientes com suspeita de leishmaniose com comprometimento mucoso.