Carne pequena, heranças: ensaios sobre saúde e doença na ficção brasileira contemporânea

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2019
Autor(a) principal: Guimarães, Juliana Krapp
Orientador(a): Carneiro, Flávio Martins
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Não Informado pela instituição
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Link de acesso: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/55056
Resumo: O que a doença pode revelar sobre a experiência de ser outro? Ideia forjada cultural e socialmente através dos tempos, o grande paradoxo da doença é ser tanto a mais individual quanto a mais social das coisas, destaca Marc Augé. Por isso mesmo, é ponto de vista valioso para observar a tensão entre identidade e alteridade. No caso da prosa brasileira, encarar as aparições da doença significa se confrontar também com o papel desta na construção de uma identidade para a nação. O Brasil, afinal, foi desenhado sobre a ideia de um povo doente: um “grande hospital”. Observar como a doença irrompe em nossa arte literária implica encarar as peculiaridades e os traços de uma ficção forjada no entrelugar, como define Silviano Santiago. Entre a prisão e a transgressão, entre vontade de pureza e vivência da mestiçagem. Implica, sobretudo, levar em conta essa difícil categoria: o outro. O outro que é o modelo eurocêntrico a perseguir nas encenações de nossa própria cultura, mas também o outro de sertões e periferias, o outro que se insinua e se infiltra, bastardo, com o corpo consumido pela miséria, pelas doenças negligenciadas e pela violência da lógica colonialista a perdurar, ainda hoje. Fitar a doença, na ficção, exige investigar um labor artístico que traz o engajamento como marca de tradição, mas, ao mesmo tempo, prossegue sendo desenhado majoritariamente por representantes das classes dominantes. A vivência de uma nação cuja faceta literária espelha, em grande parte, a lógica de verticalidade das estruturas de poder que regem sua realidade social e política. Um país onde a própria mestiçagem é confundida com a ideia de doença, tomada como enfermidade ou mal físico, algo a ser combatido e sanado. Observar a doença na ficção envolve encarar, logo, a contundência de nossa segregação social e racial. Os efeitos da colonização sobre os corpos, com sua brutal hierarquização. Nossos genocídios. O magma de uma herança que deixa seus vestígios — fragmentos, destroços — pela prosa contemporânea. O que as insinuações da doença teriam a dizer sobre as formas com que a ficção tem lidado com essa questão tão perigosa e ao mesmo tempo tão elementar: o olhar sobre o “outro”, ato sempre informe, em narrativas de autores que guardam os fardos, as marcas e as contradições herdadas de um país que pulsa em encruzilhada? Buscando respostas para essas questões, esta tese se debruça sobretudo em romances e contos brasileiros publicados entre 2001 e 2018. Mas não apenas sobre eles. Pois, apesar de ter como foco a prosa contemporânea, os capítulos deste trabalho mantêm diálogo frequente com diferentes fases do passado. E é observando a sombra deste passado, com sua presença ambígua e exaustiva, um passado que ainda é muito presente, que os ensaios aqui reunidos correm no encalço de personagens às voltas com a enfermidade, a cura e a busca pela saúde — em suas diferentes conotações.