Pelo olho mágico de Estorvo: forma e processo social no primeiro romance de Chico Buarque

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2022
Autor(a) principal: Alencar, João Vitor Rodrigues
Orientador(a): Não Informado pela instituição
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Link de acesso: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8151/tde-05052023-112256/
Resumo: De modo geral, o público de Chico Buarque estranhou a dificuldade experimentada durante a leitura de seu primeiro romance, Estorvo (1991). Em prosa simples e relativamente coloquial, uma série de episódios intrincados atropelam o leitor. A complicação se encontra tanto nas circunstâncias em que tais peripécias se desenrolam quanto na maneira tresloucada como o narrador as apresenta. Realidade, sonhos, devaneios e lembranças se misturam na sequência dos acontecimentos, nos quais não há sequer a garantia de ordem cronológica. Nestes episódios um herdeiro relativamente empobrecido e mais ou menos dissidente em termos políticos nos conta como, pouco tempo depois da redemocratização do país, acabou participando da chacina da arraia-miúda dos mercados ilegais que estava ocupando o sítio de sua família, extermínio promovido por figuras do Estado a mando dos mesmos parentes ricos que sustentam o protagonista através do favorecimento de empréstimos financeiros - e, para complicar ainda mais, de quem ele havia roubado joias que foram vendidas naqueles mesmos mercados. A forma quase corriqueira com que a voz narrativa flui entre registros e situações tão conturbados nos coloca uma série de questionamentos. Como explicar que um compositor tão relacionado ao popular tenha escrito um romance tão fácil de ler e difícil de compreender? Trata-se de um defeito na feitura literária? Existe algum sentido implicado nesse hermetismo fluente? Se sim, qual sua amplitude social e especificidade histórica? Parte da crítica julgou a narrativa pelo seu aparente nonsense, mais preocupada em descrever minuciosamente o disparate das cenas isoladas do que em narrá-las através de uma história que as abrangesse de modo coerente. Em sentido contrário, pretendo demonstrar que é na montagem estabelecida pelo conjunto dessas cenas aparentemente despropositadas, em que o narrador é flagrado em suas complicadas relações com as circunstâncias reais ou imaginárias que compõem as situações narrativas, que devemos buscar o significado, a dimensão e a minúcia do relato. Pois nessa forma de narrar, que parece mas não é absurda, está implicado um jogo de perspectivas que reproduz, com rigor literário, a lógica social que envolve conflitos decisivos do Brasil pós-golpe militar, ainda que esses conflitos estejam embaralhados pelos deslocamentos promovidos por compensações imaginárias e precisem ser recompostos pelo leitor. Foi o estado de exceção instituído por esse golpe e perpetuado no período democrático que, através do extermínio e da exploração promovidos pela elite, determinou a inserção do país na marcha contrarrevolucionária do capitalismo contemporâneo. É esse o horizonte histórico e social que nos permite determinar tanto a limitação da perspectiva do narrador quanto a amplitude dos materiais presentes no que ele involuntariamente narra, possibilitando assim a interpretação dos sentidos concretos do romance em suas verdadeiras dimensões.