O caso Schreber como um testemunho escrito

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2014
Autor(a) principal: Faustino, Diógenes Domingos
Orientador(a): Não Informado pela instituição
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Dissertação
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Link de acesso: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-28052014-103107/
Resumo: Esta dissertação tem por objetivo discorrer sobre a paranoia de Daniel Paul Schreber, mais especificamente, no que se refere à assunção de sua missão divina como fruto de um trabalho do delírio através da escrita de seu livro Memórias de um Doente dos Nervos. Freud deixou uma marca indelével no campo das psicoses com o estudo do caso Schreber: um passo importante na medida em que as produções delirantes são legitimadas no plano próprio à experiência psicanalítica freudiana, o do inconsciente. O avanço teórico lacaniano abre as vias para uma inserção mais efetiva do estudo acerca das psicoses enquanto clínica possível. Conforme Lacan, a psicose se distinguiria das outras estruturas clínicas pela foraclusão (a Werverfung) de um significante primordial na ordem simbólico. Essa falta marca toda a fenomenologia da psicose, implicando o estabelecimento de uma relação peculiar do sujeito ao conjunto da linguagem: o psicótico é habitado pela linguagem; contrariamente ao neurótico que habita a linguagem, ou seja, toma-a por todo seu ser e enquanto fala. O sujeito habitado pela linguagem conota essa relação de exterioridade que há com o conjunto da linguagem: uma não integração do sujeito ao registro do significante, ao ponto que a análise de um pré-psicótico vai levá-lo ao desencadeamento da psicose. A entrada na psicose se manifesta com o surgimento de uma linguagem preciosa por ser plena de significância, mas também de uma dimensão do significante em seu aspecto material. É justamente na dimensão da fala do outro enquanto objeto, ao falar de si, que as ideias delirantes schreberianas vêm à superfície e seu quadro paranoico se revela para o ouvinte. O testemunho é essa dimensão da fala na qual o sujeito está engajado. Assim, a escrita do livro de memórias schreberianas é um testemunho aberto sobre essa especificidade do psicótico em sua relação à linguagem, mais nomeadamente, sobre a intrusão do discurso do Outro. A especificidade da função da escrita, no caso Schreber, se sustenta justamente na medida em que, conforme Lacan, neste nível há algo da ordem de uma reflexão: livrar-se do parasita falador ou deixar-se invadir pelas propriedades fonêmicas da fala. Essa definição é magistral para lermos a paranoia schreberiana: é em meio a esses dois polos que vislumbramos a sua escrita: a língua estrangeira plena de sentido (a língua fundamental) e, no outro extremo, as frases vazias dos pássaros falantes que sucumbem com a homofonia. Evidencia-se aqui senão aquilo que a noção do inconsciente a céu aberto na paranoia mostra-se devedora, ainda mais se considerarmos a formulação lacaniana do inconsciente ser algo no real (Seminário Les non-dupes errent - 1974). É por ser algo no real que Lacan sustenta que é do lado da escrita que se concentra aquilo de onde tenta interrogar essa sua formulação acerca do inconsciente. Por isso, não é sem razão que, tal qual Lacan, é do lado da escrita que Schreber tenta interrogar isso que seria expressão de sua paranoia: o retorno no real do significante foracluído no simbólico