No mundo da rua : itinerários terapêuticos de pessoas em situação de rua com transtornos mentais na busca por cuidado

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2020
Autor(a) principal: Pereira, Leticia Passos
Orientador(a): Wetzel, Christine
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Dissertação
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Não Informado pela instituição
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Palavras-chave em Inglês:
Link de acesso: http://hdl.handle.net/10183/217874
Resumo: Este estudo trata sobre as trajetórias das pessoas em situação de rua com transtornos mentais na busca por cuidado, considerando que fazem parte de um contingente que habita as ruas, em uma situação de exclusão naturalizada ao longo do tempo e requerem cuidados particularizados, que ofereçam flexibilidade e sejam centrados em suas experiências. As maneiras como o buscam, como procuram certas formas de tratamento, como se comportam em relação a ele e a avaliação dos seus resultados dependem, em grande medida, dos significados culturais e expectativas associados à experiência da doença. Assim, o objetivo desta pesquisa foi analisar os itinerários terapêuticos das pessoas em situação de rua com transtornos mentais. Consiste de um estudo de abordagem qualitativa, que teve como caminho teórico-metodológico as perspectivas dos itinerários terapêuticos e dos setores de cuidados de saúde. O itinerário terapêutico enfatiza a visão do usuário e seus arranjos organizativos ao longo das experiências de adoecimento. Permite entender como escolhe, avalia e adere, ou não, aos tratamentos prescritos, em suas redes sociais, além de evidenciar outros aspectos envolvidos no cuidado, sobretudo simbólicos, sociais e culturais. Foram analisados na perspectiva dos setores de cuidado em saúde, propostos por Arthur Kleinman - popular, folk e profissional. Para obtenção do material empírico, foi utilizada a entrevista narrativa, realizada com pessoas em situação de rua com transtornos mentais acompanhadas por um Consultório na Rua, na cidade de Porto Alegre. Os eixos temáticos que orientaram a análise das narrativas produzidas foram: concepções de cuidado, interpretação da doença e itinerários terapêuticos. As concepções de cuidado delineadas foram, o cuidado: caritativo, emancipatório; espiritual; enquanto controle; afetivo e altruísta. Foi constatada a ênfase na perspectiva de cuidado caritativo, envolvendo pessoas e instituições que suprem necessidades relativas à alimentação, higiene, abrigo, vestuário e educação. A partir do eixo interpretação da doença, emergiram as perspectivas relacionadas a: depressão, experiências sensoperceptivas, ser nervosa, surtos, uso de drogas e comportamentos suicidas. Evidenciou-se que os participantes recebem diagnósticos psiquiátricos heterogêneos e incongruentes e as (re)interpretações que fizeram do sistema explicativo da psiquiatria, a partir de suas experiências de sofrimento, e as maneiras próprias de abordar, lidar e legitimá-lo, tiveram influência de sistemas culturais, sociais, políticos e econômicos. Os itinerários terapêuticos foram analisados inseridos em um contexto, composto de diversos atores, eventos e experiências, que levaram a diferentes formas de enfrentamento, interpretações e escolhas, resultando em itinerários amplos, diversificados e dinâmicos. O setor popular constituiu-se enquanto importante local e compartilhamento de cuidado, no qual as redes de apoio e busca por cuidado foram compostas, nas trajetórias iniciais, por figuras familiares e aparentadas. Com a ruptura desses vínculos, foram constituídas novas relações de apoio no mundo da rua. Esse setor também foi representado pela rede comunitária, relacionada à subsistência no espaço da cidade e pelo trabalho. O setor folk estabeleceu-se como parte dos itinerários através de crenças religiosas, evidenciando as igrejas, sobretudo a evangélica, e as figuras de Deus e de Exu. Caracterizou-se como um setor aberto, de fácil acesso, e que através de seus dogmas e rituais, propiciou conforto e alívio na maior parte das situações. O setor profissional, composto pelos subsetores da assistência social, da saúde e da justiça e segurança, esteve voltado a ações assistencialistas, de controle e medicalizantes, e as suas estruturas são desarticuladas e pouco voltadas a um projeto emancipatório e de inclusão social. Esse estudo mostrou que identificar as especificidades do grupo estudado exigiu acessar as (re)significações e (re)interpretações de suas experiências, as formas como lidaram e como buscaram ajuda. Em relação ao setores de cuidado, demonstrou o potencial transformador de cuidado do setor folk e evidenciou a invisibilidade significativa do setor saúde nos itinerários terapêuticos.