Africanidade e contemporaneidade do português de comunidades afro-brasileiras no Rio Grande do Sul

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2015
Autor(a) principal: Souza, Antonio Carlos Santana de
Orientador(a): Altenhofen, Cleo Vilson
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Não Informado pela instituição
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Palavras-chave em Inglês:
Link de acesso: http://hdl.handle.net/10183/122568
Resumo: A presente Tese perscruta a influência do contato linguístico entre afrodescendentes, nomeadamente quilombolas, e comunidades de fala presentes em seu entorno em diferentes áreas sócio-geográficas do Rio Grande do Sul (RS). Seu objetivo central é realizar uma macroanálise pluridimensional da variação do português nessas comunidades afro-brasileiras, dando especial atenção aos fenômenos que remontam, de um lado, a uma origem africana ou que, de outro lado, sinalizam uma mudança na direção do português contemporâneo. Este estudo busca contribuir, neste sentido, para integrar os estudos de línguas africanas e de seu contato com a língua portuguesa no Brasil, ampliando o conhecimento da língua falada por afro-brasileiros (PESSOA DE CASTRO, 1990; VOGT; FRY, 1996; CARENO, 1997; PETTER, 2001 e 2002; PETTER; FIORIN, 2009; LUCCHESI, 2009). O RS conta, atualmente, com 155 comunidades afro-brasileiras que englobam 3831 famílias. As comunidades selecionadas para esta Tese foram: RS01 Morro Alto (Osório) - Região do Litoral/Lagunas; RS02 Família Fidelix (Porto Alegre) – Região Metropolitana; RS03 Maçambique (Canguçu) - Região das Antigas Charqueadas; RS04 Palmas (Bagé) – Região dos Pampas; RS05 Cerro Formigueiro (Formigueiro) – Região da Depressão Central; RS06 São Roque (Arroio do Meio) – Serrana/Imigração e RS07 Comunidade Quilombola Correa (Giruá) – Região das Missões. As localidades selecionadas diferenciam-se por uma série de fatores, seja de ordem sócio-histórica, política ou geográfico, que podem influenciar a língua (portuguesa) falada nessas comunidades. Trata-se, em termos dialetológicos, de espaços descontínuos que lembram ilhas linguísticas, ocupadas por determinada população caracterizada por traços como origem étnica e língua particular, em que é possível identificar a comunidade afro-brasileira como um grupo minoritário diferente de outros. Para investigar a variedade do português falado nessas comunidades, nos baseamos na perspectiva teórica da dialetologia pluridimensional, conforme Thun (1998), Radtke e Thun (1996), a qual inclui nas pesquisas linguísticas diferentes dimensões espaciais e sociais em comunidades de fala distintas. Segundo Thun (1998), a “dialetologia pluridimensional” pode ser compreendida como a ciência geral da variação linguística e das relações entre variantes e variedades de um lado e de falantes de outro. À dimensão diatópica ou areal da geolinguística tradicional se incorporam outras dimensões, tais como a idade (dimensão diageracional) e o sexo (dimensão diassexual) etc. Através desse modelo de macroanálise da variação e dos contatos linguísticos, foi possível identificar no comportamento linguístico variável das sete comunidades afro-brasileiras alguns fatores determinantes da variação e mudança do português, apontados pelos dados dos diferentes pontos de pesquisa (dimensão diatópica), grupos etários GII e GI (dimensão diageracional) e falantes homens e mulheres (dimensão diassexual). A cartografia dos dados levantados por meio de um Questionário Fonético-fonológico - QFF (22 mapas) e de um Questionário Semântico-lexical - QSL (54 mapas) permitiu observar e comprovar empiricamente algumas tendências, entre as quais se destacam as seguintes: a) o comportamento linguístico dos membros dessas comunidades com respeito à manutenção ou perda das marcas de africanidade no português varia entre 1) uma variedade mais conservadora, mais presente entre os falantes mais velhos, 2) uma adequação ao português regional ou geral falado no entorno dessas comunidades e, por fim, 3) uma reintegração de marcas de africanidade em virtude de uma consciência étnica e identitária crescente que pode ser associada à própria constituição e reconhecimento dessas comunidades quilombolas; b) na dimensão diageracional, observou-se, portanto, uma mudança em curso geral, em toda a rede de pontos da pesquisa, na direção tanto da perda quanto da reintegração de marcas de africanidade nesses contextos; c) na dimensão diassexual, as mulheres parecem apresentar uma tendência maior de adesão às inovações ou às variantes do português do entorno, já os homens se mostram como os mais conservadores; d) no plano diatópico, o conjunto dos pontos de pesquisa se distingue entre uma adesão maior ou menor a determinadas variantes [+/- afro], sendo que se pode visualizar as seguintes tendências nos mapas: 1) o comportamento linguístico dos afro-brasileiros nos pontos RS01 e RS02 parece refletir uma consciência étnica e identitária maior, provavelmente como reflexo de ações do movimento negro. Estes pontos do litoral e metropolitano são os que mais conhecem formas [+afro]. 2) RS02, RS03 e RS05 como pontos mais próximos de grandes centros urbanos (Porto Alegre, Pelotas e Santa Maria) compartilham, ao mesmo tempo, influências que sugerem uma aproximação ao português brasileiro mais geral. Essa tendência, no entanto, carece de uma descrição mais clara. 3) RS05 (de Depressão Central) e RS07 (das Missões) são os pontos que apresentam mais perdas de marcas [+afro] no português. São, ao mesmo tempo, os pontos mais distantes do litoral. 4) RS06 e RS07 são os pontos que, ao menos na variação fonética, apresentam mais influências do português de contato com línguas de imigração (alemã e italiana). RS07 se destaca, aliás, pela resistência a formas inovadoras do português brasileiro. 5) os pontos mais ao norte – RS01, RS06, RS07 e, em parte, RS05 apresentam variantes que sugerem a influência do português paulista, sobretudo na fonética, provavelmente reflexo do contato linguístico que se deu por meio das rotas de tropeiros, no séc. XIX. 6) RS04, ao contrário, reflete fortemente o português fronteiriço, já entre falantes da GII, o que pode sugerir uma perda, já bem cedo, de marcas [+afro] em favor do português dominante no entorno, falado pelos luso-brasileiros. Esta tendência é compartilhada, em parte, pelo ponto RS03, que no entanto apresenta um comportamento mais variável (não tão estável como na Região dos Pampas) que oscila entre uma influência anterior regional e uma influência recente mais geral do português brasileiro. Em suma, os comportamentos linguísticos dos membros das comunidades afro-brasileiras pesquisadas, no Rio Grande do Sul, convergem de modo geral para uma orientação centrífuga, que se contrapõe à noção de isolamento que tradicionalmente se associa a esse tipo de contexto, visto que a perda de marcas de africanidade e adoção de marcas da variedade do português brasileiro e regional do entorno é uma constante.