Resumo: |
Este trabalho de tese trata das dinâmicas da mineração a céu aberto e seus efeitos na água da região andina de Cajamarca, ao norte do Peru. O objetivo consiste em analisar “desenhos locais” que entram em conflito com os desenhos propostos – e alguns já instalados – pela mineração moderna, que começam a proliferar no Peru a partir de 1990 como um caminho inquestionável de desenvolvimento. Por meio de pesquisa de abordagem etnográfica, realizada entre 2013 e 2014, analisam-se dois casos. No primeiro, examinam-se as diferenças ontológicas mobilizadas pelas pessoas como resultado de ações causadas pelo projeto de mineração Conga, que “sacrificará” importantes lagoas na região de Cajamarca, Peru. Nesse contexto, campesinos e ronderos do centro poblado El Tambo têm se organizado para vigiar a lagoa Mamacocha. Observa-se que a relacionalidade dos campesinos com Mamacocha é ativada pela realidade da experiência vivida com a água, que começou a desaparecer a partir dos projetos de mineração, mas que é coproduzida em “encontros” com outras concepções ontológicas. Tais encontros dinamizam histórias orais da memória local. Para além de uma representação essencialista do conhecimento indígena versus o científico, são os diferentes regimes de relação com a água que intensificam colaborações entre os coletivos. O efeito é a emergência de “Mamacocha estendida”, sinalizada nas manifestações como “obra de Deus”, “água que alimenta” e “aquíferos”, a depender das relações e dos grupos, e dos campesinos como “guardiões das lagoas”. A noção de “alimentar” aparece em diálogos com campesinos que enfatizam relações entre as colheitas, os canais de irrigação e os puquios (nascentes de água) salientando que as lagoas não podem ser substituídas por reservatórios artificiais que a empresa propõe construir. Em um segundo caso, analisa-se como o desenho de uma mina a céu aberto na cidade de Hualgayoc, região próxima à anterior, influencia as pessoas que inicialmente desenhavam na terra, os velhos mineiros de socavão. Embora os mineiros articulem a história de um passado mineiro, o seu esforço por negociar suas relações com a empresa mineira oscilam entre antagonismo e expectativas por uma ocupação neste mercado de trabalho. Muitos deles são ignorados pelas grandes empresas por não serem os “mineiros modernos” que hoje manipulam maquinarias sofisticadas, apesar de terem trabalhado por muito tempo no socavão. Quando o centro urbano de Hualgayoc se tornou uma AID (Área de Influência Direta) da mineração a céu aberto, os seus habitantes foram categorizados em classificações específicas que os reprimem. Além disso, o que mostra o caso de Hualgayoc é que o projeto mineiro somente oferece trabalho pelas falhas que ele mesmo causa ao ser implementado. Esta perda é vista como uma oportunidade de trabalho para contratar pessoas que possam trazer água de outros lugares. Os efeitos na natureza e nas pessoas são reais, e, principalmente, os efeitos nas águas andam em paralelo com os projetos de vida de muitas pessoas que resistem ao projeto mineiro. Estes dois casos na região emblemática de Cajamarca ilustram os conflitos em torno de desenhos, relações e desenvolvimento. |
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