Cabelo importa : os significados do cabelo crespo/cacheado para mulheres negras que passaram pela transição capilar

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2018
Autor(a) principal: SOARES, Anita Maria Pequeno
Orientador(a): LEWIS, Liana
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Dissertação
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Universidade Federal de Pernambuco
Programa de Pós-Graduação: Programa de Pos Graduacao em Sociologia
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Brasil
Palavras-chave em Português:
Link de acesso: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/39065
Resumo: O cabelo já foi objeto de análise de autores como Freud, Charles Berg e Edmund Leach. Tanto a abordagem psicológica de Freud e Berg quanto a antropológica de Leach foram unânimes em associá-lo a uma conotação sexual ou, mais especificamente, à castração simbólica. C. R. Hallpike, em resposta, é contrário a essa conotação e associa o corte do cabelo ao controle social. Embora compartilhem da crença na sua importância simbólica, os estudiosos das relações raciais opõem-se a essas perspectivas ao reivindicar que a importância do cabelo para negros e negras é irrefutável devido ao seu legado histórico e político específico. Desde a colonização, pressupostos racistas foram formulados e propagados e uma das suas premissas é a negação da beleza aos negros e negras. Nesse contexto, o cabelo foi - e continua sendo -, junto com a cor da pele, um dos principais sinais diacríticos da negritude. Eventos históricos importantes, no entanto, marcaram a revalorização da beleza negra e impulsionaram diversos sujeitos a reinterpretar a sua estética através de uma valorização. Em âmbito global, vários movimentos articularam muito fortemente estética negra e política. Nos anos 1930, um contra discurso jamaicano sobre estética emergiu do Movimento Rastafari. Outro marco do reconhecimento positivo de ser negro refere-se à existência do conceito de negritude de Aimé Cesaire nos anos 1930. Nos anos 1960 e 1970, com os movimentos “black is beautiful” e “black power”, o cabelo crespo passou a significar orgulho e poder. Nesse contexto, a radicalização em torno do uso do cabelo crespo considerado “natural” foi central, já que este foi reforçado como ícone identitário e cultural. Os reflexos desses movimentos foram sentidos no Brasil. A partir daí, houve um impulso crescente no sentido de também ressignificar essas características físicas, destacando-as e valorizando-as. Apesar de todo o mérito, tais movimentos não ficaram livres de tensões, conflitos e ambivalências existentes quando ideias culturais são transmitidas através dos corpos. Importante frisar que a ressignificação do cabelo crespo acarreta diferentes implicações para as mulheres e homens negros. Para elas, assumir o cabelo “natural” não é só uma valorização da negritude ou da descendência africana, mas uma rejeição direta de uma concepção de beleza feminina que inclusive muitos homens negros reiteram. A relação dessas mulheres com o cabelo crespo/cacheado reitera, então, a especificidade e a importância do feminismo negro. As experiências das mulheres negras desafiam os modelos unitários de gênero e exigem noções sobre o “ser mulher” que levem em conta a raça, etnia, classe e sexualidade. As nossas reflexões caminham mais no sentido de elucidar as diferenças do que as pretensas similitudes entre as mulheres. As feministas negras, então, a partir de suas próprias experiências de exclusão e discriminação, trazem novas formas de conceituar o gênero e o feminismo. Com continuidades e descontinuidades em relação aos supracitados movimentos de ressignificação da estética negra, está em voga um processo chamado “transição capilar”. Tema contemporâneo e fortemente significativo na vida de milhares de mulheres negras, a transição capilar ressignifica uma estética negra negada, via de regra, desde a infância. O processo consiste, em linhas gerais, na decisão de não mais alisar quimicamente os cabelos e no regresso ao cabelo “natural”. Os danos causados pela química tornam o processo extremamente difícil, porque fazem necessário esperar o crescimento de um cabelo totalmente novo. Esse processo desafia convenções de gênero em uma sociedade na qual o cabelo longo é sinônimo de feminilidade. Acredito que esse processo envolve uma transformação que vai muito além do corpo. No seu transcurso, muitas outras questões são trazidas à tona, porque questões identitárias complexas são negociadas. Fenômeno transnacional e protagonizado por mulheres, a transição capilar é articulada, principalmente, via internet. Algumas autoras reiteram a mudança existente nessa nova gramática social do uso do cabelo crespo e lançam a possibilidade de alinhar sua análise ao crescimento do individualismo. Isto é, enquadrado nas dinâmicas do capitalismo neoliberal, o movimento pela transição capilar está em consonância com a “individualização” crescente, o que tende a criar a ilusão de um esvaziamento político. Muito além de um assunto puramente estético, buscarei mostrar como esse fenômeno traz questões sociológicas pertinentes. Trarei a teoria do reconhecimento de Axel Honneth a fim de defender a ideia de que esse movimento consiste em uma luta política por reconhecimento.