“A gente não tem nosso canto, não tem um lugar”: práticas discursivas sobre a assistência religiosa de matriz africana no cárcere

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2018
Autor(a) principal: Gomes, Djean Ribeiro
Orientador(a): Jesus, Mônica Lima
Banca de defesa: Santos, Alessandro Oliveira, Nejm, Rodrigo
Tipo de documento: Dissertação
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Instituto de Psicologia
Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-graduação em Psicologia
Departamento: Não Informado pela instituição
País: brasil
Palavras-chave em Português:
Área do conhecimento CNPq:
Link de acesso: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/28474
Resumo: A realidade do sistema prisional é historicamente marcada por violações sistemáticas de direitos humanos que ocorrem de forma generalizada, desde a violência institucionalizada na prática de agentes penitenciários contra custodiados até o não cumprimento de direitos assistenciais garantidos por lei, inclusive, a assistência religiosa, que está prevista na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal, dentre outros mecanismos normativos. O cumprimento seletivo do direito ao exercício religioso está diretamente associado ao contexto desigual e histórico de liberdade e expressão religiosas produzidas no Brasil. Sobretudo, direcionado às religiões de matrizes africanas que tiveram seu legado cultural e ritualístico, criminalizado, demonizado e patologizado pelo Estado através de diversos mecanismos estatais com base em intervenções científicas racistas e intolerantes. A respeito das religiões nos espaços de confinamento, a presença religiosa é marcante desde o modelo dos suplícios até o modelo prisional que testemunhamos na atualidade. Se antes havia uma exclusividade católica, com as transformações históricas e políticas, em especial, das formas de governo, a pluralidade religiosa nos espaços públicos foi possibilitada, principalmente, quando o Estado brasileiro se instituiu como laico. Apesar disso, a realidade religiosa do cárcere continua sob a égide do cristianismo, com a forte influência de vertentes cristãs pentecostais e neopentecostais, em contraponto, ao processo de demonização e desautorização que subjugam as religiões de matrizes africanas e seus adeptos. Dessa maneira, o objetivo desse estudo foi analisar como acontece a assistência religiosa direcionada a custodiados adeptos de religião de matriz africana e quais as suas possibilidades e limitações no contexto prisional. A pesquisa teve como lócus três unidades prisionais do Complexo Penitenciário Lemos Brito, na cidade de Salvador/Bahia. Utilizamos teórica e metodologicamente os princípios da Psicologia Social Construcionista, em particular, as noções de práticas discursivas, produção de sentidos e as contribuições de Franz Fanon como prisma para a produção dos dados, entendendo que a realidade é uma construção social e que é mediada pelo discurso. Para análise dos dados, utilizamos a análise categorial temática com base em entrevistas semiestruturadas de um agente religioso de matriz africana que atuou no sistema prisional, cinco custodiados que são religiosos/simpatizantes de alguma religião de matriz africana e três agentes penitenciários que demonstraram ter posicionamentos importantes na dinâmica prisional para refletir sobre o fenômeno da religiosidade investigada. Os resultados foram compilados em duas categorias temáticas centrais, significados do exercício religioso/de religião e estratégias para o exercício religioso. A primeira agrega quatro categorias: Sentidos da Religião/Religiosidade; Cuidado e Proteção do Corpo; e, Efeitos Psicossociais da Prisão no pertencimento religioso. O segundo agrupamento temático contempla: Estratégias Religiosas e Limitações Institucionais; Discursos Intolerantes e Privilégios Religiosos; e, Uso Conveniente da Religião. Os resultados apontam a não aplicabilidade da assistência religiosa para quem prática alguma religião de matrizes africanas, apesar também de descortinar formas de exercício e resistência religiosas dos custodiados mediadas por familiares nos momentos de visitas em um contexto árido de possibilidades, atravessados por práticas discursivas de intolerância religiosa e racismo institucionalizados por parte de custodiados cristãos, sobretudo de evangélicos/protestantes, e também por agentes penitenciários que no cotidiano prisional naturalizam a desigual desejabilidade social das religiões professadas, criando privilégios religiosos, por um lado, e desautorização e demonização, por outro.