A pena como crença: uma satisfação pulsional velada pelos discursos legitimantes da dogmática jurídico-penal

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2024
Autor(a) principal: Rocha, Rebecca Cerqueira lattes
Orientador(a): Mello, Sebástian Borges de Albuquerque
Banca de defesa: Mello, Sebástian Borges de Albuquerque, Ramalho, Elmir Duclerc, Azêvedo, Bernardo Montalvão Varjão de, Ruivo, Marcelo Almeida, Costa, Lucas Gabriel Santos
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Universidade Federal da Bahia
Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-graduação em Direito (PPGD) 
Departamento: Faculdade de Direito
País: Brasil
Palavras-chave em Português:
Área do conhecimento CNPq:
Link de acesso: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/40150
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo investigar a suposta racionalidade atribuída à pena, enquanto instrumento formal de resolução de conflitos. Elege-se como paradigma o projeto de racionalização da justiça penal, forjado na Modernidade, alinhado teoricamente aos ideais liberais de liberdade, legalidade e jurisdicionalidade. A análise do discurso jurídico-penal, amparado pelas teorias justificacionistas que legitimam a imposição da pena, como consequência jurídica diante da prática de um ilícito penal, é confrontada com as funções latentes do exercício do poder punitivo, de modo a revelar seu caráter seletivo, arbitrário e estigmatizante. Diante das evidências de incapacidade de cumprimento das funções declaradas da pena, surge a inquietação acerca das razões que mantêm viva a crença social, segundo a qual a imposição do castigo seria um instrumento legítimo de “enfrentamento” à criminalidade. Propõe-se, então, uma abordagem interdisciplinar entre direito e psicanálise a fim de extrair das formulações teórico-dogmáticas do Direito Penal componentes da instância psíquica humana escamoteados pela expectativa de afirmação de um sistema essencialmente racional. Realizada uma pesquisa qualitativa exploratória, a partir de noções freudianas, como gozo, desamparo, sacrifício etc., observa-se que as construções teóricas legitimantes da pena constituem uma pretensão de justificativa racional à ingerência punitiva estatal, sendo ela, verdadeiramente, em sua essência, uma manifestação de instintos, pulsões e afetos. Nesse aspecto, a pena se aproxima da ideia psicanalítica freudiana de ilusão, apresentada sob a modalidade de crença. O exercício do poder punitivo, embora declarado oficialmente como produto da construção racional de um dado sistema jurídico, expõe a promessa narcísica de harmonização da sociedade com a eliminação do delito, fazendo prevalecer, assim, o princípio do prazer. Como forma de afastar tudo aquilo que lhe gera angústia, o grupo, unido por forças afetivas, cria a figura do “inimigo”, recorrendo, pois, ao processo de aniquilação como forma de satisfação do componente pulsional agressivo que lhe é inerente. Esse movimento instintivo de destruição, por sua vez, guarda ares de legitimidade, a partir de narrativas oficiais proclamadas por autoridades e agências institucionais. Atuando como líder, perante o grupo, ou em uma linguagem freudiana, perante a massa, o Poder Judiciário, em cooperação mútua com a mass media, confere coesão entre seus membros em torno de um ideal externo, qual seja: a crença no sistema punitivo como via de regeneração da ordem social, constantemente ameaçada pela presença do “inimigo”. Põe-se em análise, ainda, a ritualística processual penal, sustentada por institutos dogmáticos, que, na prática, manifestam-se como um ritual expiatório, marcado pela presença de elementos constitutivos da psique. Ou seja, procura-se demonstrar que o processo judicial simboliza um processo de catarse coletiva, em que afetos são liberados, sob o manto fictício da racionalidade jurídico-científica. Conclui-se, ao final, que o discurso jurídico dominante, pautado em razões aparentemente lógicas e coerentes para a imposição da pena, não encontra amparo na realidade prática, de modo a servir, essencialmente, aos fins de consagração de crenças, dogmas e atos de fé.