Qual a palavra que nunca foi dita? Vozes e discursos nas notícias sobre zika-microcefalia-aborto

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2018
Autor(a) principal: Castilhos, Washington Luis Carbone
Orientador(a): Almeida, Carla da Silva
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Dissertação
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Não Informado pela instituição
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Link de acesso: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/31100
Resumo: Em novembro de 2015, o mistério em torno do nascimento de um número significativo de bebês com circunferência da cabeça reduzida dominou as notícias e fez com que o governo brasileiro declarasse a epidemia de zika como Emergência Nacional de Saúde Pública. Com base em suspeitas médicas e observações clínicas – e mais tarde em experimentos de laboratório – o vírus zika foi associado à microcefalia em recém-nascidos cujas mães haviam sido infectadas com a doença durante a gravidez. Além de trazer à tona questões fundamentais de saúde e impor desafios para a saúde pública e para os cientistas, a epidemia levantou múltiplas questões no plano dos direitos reprodutivos, as quais alcançaram repercussão midiática depois que grupos defensores dos direitos das mulheres entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal exigindo melhor acesso da população ao planejamento familiar, a assistência a bebês nascidos com microcefalia e o direito à interrupção da gravidez em casos de infecção da gestante. Tomando a notícia como uma arena discursiva e locus de debate, esta dissertação analisa as características do discurso da imprensa sobre o aborto em caso de zika – é um novo discurso sobre o aborto? – para verificar se o debate na mídia reforçou ditos, valores e saberes associados à prática ou qualificou a discussão na sociedade. Com base em referenciais teóricos das áreas da Divulgação Científica, da Teoria do Jornalismo e da Análise do Discurso, examinamos 43 matérias sobre zika-microcefalia-aborto publicadas em dois jornais nacionais – Folha de São Paulo e O Globo – de novembro de 2015 (mês em que o governo brasileiro declarou Emergência Nacional de Saúde Pública) a dezembro de 2016 (mês em que seria julgada a ação na Suprema Corte), a fim de identificar as principais fontes de informação, os argumentos usados para justificar suas posições e os saberes e valores mobilizados. Constatamos que os dois jornais privilegiaram as fontes médicas e jurídicas, respectivamente. Em termos de argumentos, as fontes favoráveis ao direito ao aborto denunciaram as injustiças e desigualdades sociais – inclusive cobrando responsabilidades do Estado –, enquanto aquelas contrárias à prática defenderam o direito do feto à vida. Ambos os lados colocaram em cena principalmente saberes de crença e valores éticos e morais, valendo- se de analogias e palavras fortes, com sentidos historicamente negativos – como eugenia, racismo e tortura –, para sustentar seus pontos de vista. No tocante às práticas jornalísticas, a nosso ver, a obediência a regras mecanicistas, como o critério da escolha por fontes que deem credibilidade às notícias e a tendência pela polarização simplista de opiniões visando garantir ou produzir efeitos de imparcialidade e objetividade, acabou por silenciar vozes diretamente implicadas e por dificultar a abordagem e o aprofundamento de questões importantes relativas ao tema.