Resumo: |
O Saguinus bicolor é um calitriquídeo que habita fragmentos florestais e arredores dos municípios amazônicos de Manaus, Rio Preto da Eva e Itacoatiara. Ele sofre risco de extinção, sendo a limitação de seu território de ocorrência e fragmentação do seu habitat duas das maiores ameaças. Poucos estudos são realizados sobre as doenças infecciosas e parasitos que podem acometer esse primata, tais como as filárias. As filárias são vermes nematódeos que podem parasitar uma grande variedade de animais, incluindo primatas não humanos, humanos e animais domésticos. Além disso, algumas espécies podem causar doenças médicas e veterinárias Este trabalho visou identificar parasitos de filária em Saguinus bicolor através de necropsia, microscopia e ferramentas moleculares, bem como compreender a influência da paisagem sobre a prevalência das filárias nesses primatas. Um total de 71 indivíduos foram amostrados, dentre os quais 62 foram submetidos à necrópsia, com inspeção das cavidades torácicas, abdominais e do espaço subcutâneo, e 10 animais vivos tendo o sangue coletado (onde 1 dos animais foi coletado tanto em vida quanto em morte). Durante as necrópsias, também foi possível coletar sangue de 46 carcaças, totalizando 56 amostras. Destas, 47 foram submetidas à microscopia em busca de microfilárias e todas foram submetidas ao diagnóstico molecular em Nested PCR com o alvo ITS-1, sequenciamento de Sanger e métodos de Next Generation Sequencing. As filárias adultas encontradas foram submetidas à análise morfológica e molecular. Adicionalmente, foi possível georreferenciar 50 animais e coletar dados para desenvolver variáveis demográficas, meteorológicas e geográficas para 49 deles. Esses dados foram usados para calcular a matriz da paisagem em buffers de 500 e 1000 metros e desenvolver modelos lineares generalizados sobre a influência dessas variáveis a prevalência. Um total de 6,45% (4/62) das carcaças foram positivas para a presença de filária adulta. Das 24 filárias adultas encontradas nas 4 carcaças, 14 puderam ser identificadas morfologicamente como Dipetalonema sp., 8 foram identificadas como da família Onchocercidae no Sequenciamento de Sanger e 1 como Dipetalonema gracile, utilizando os métodos de NGS. 6,38% (3/47) das amostras de sangue foram positivas para microfilária na microscopia. 28,57% (16/56) das amostras puderam ser amplificadas na análise molecular e, destas, 75% (12/16) eram de Mansonella mariae, 6,25% (1/16) Dipetalonema sp., 6,25% (1/16) da família Onchocercidae e 12,5% (2/16) não foram identificadas. Para a análise de paisagem, 47% (8/17) dos positivos foram oriundos do Bairro Coroado, em Manaus, especificamente do fragmento florestal da Universidade Federal do Amazonas (UFAM); 12% (2/17) do bairro Tarumã; 12% (2/17) da rodovia AM-010; 5,8% (1/17) do bairro Tarumã-açu; 5,8% (1/17) da rodovia BR-174; 5,8% (1/17) da junção dos bairros Distrito Industrial II/Puraquequara; 5,8% (1/17) no bairro Ponta Negra e 5,8% (1/17) sem localização encontrada. Para os negativos, 56,41% (22/39) foram do bairro Coroado, em Manaus, também do fragmento florestal da Universidade Federal do Amazonas; 5,12% (2/39) do bairro Aleixo; 5,12% (2/39) do bairro Tarumã; 5,12% (2/39) do bairro Jorge Teixeira; 2,56 (1/39) para cada uma das seguintes localidades: cidade de Rio Preto da Eva, para a avenida Governador José Lindoso, os bairros Zumbi dos Palmares II, Parque 10 de Novembro, Santo Agostinho e Nova Cidade, em Manaus, e para as rodovias BR-174 e AM-010. No buffer de 500m, observou-se matriz florestal 60% (9/15) dos positivos, com a urbana sendo a segunda mais ocorrida, em 26,7% (4/15); para os negativos, houve 76% (19/25) de matriz florestal e 20% (5/25) de matriz urbana. No buffer de 1000 metros, percebe-se esse padrão praticamente idêntico. O modelo linear generalizado demonstrou probabilidade maior de positivos conforme a temperatura média mensal aumenta e probabilidade maior de negativos conforme densidade demográfica humana aumenta. A identificação dos parasitos coincide com a literatura, que já descreveu Mansonella mariae e Dipetalonema sp. em primatas e vetores amazônicos. As filárias identificadas não têm relato de serem zoonóticas, porém a família Onchocercidae e o gênero Mansonella abrangem espécies de filária de interesse para saúde pública. A análise de paisagem também coincide com o georreferenciamento organizado nesse trabalho, no qual se observa maior ocorrência dos positivos em áreas periurbanas de Manaus, com características de pouca densidade demográfica e com matriz florestal. Esses aspectos indicam a necessidade de continuidade nos esforços para identificar parasitos filariais em outros municípios amazônicos e compreender as causas ambientais por trás do risco de infecção. |
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