A arte do Film Noir
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Publication Date: | 2021 |
Language: | por |
Source: | Repositórios Científicos de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP) |
Download full: | http://hdl.handle.net/10400.2/15581 |
Summary: | Apesar do que o título deste ensaio pode deixar transparecer, não se trata aqui de analisar o film noir enquanto modo de representação artística—tarefa que em muito extravasaria o espaço reservado para estas considerações, uma vez que implicaria a participação num debate já muito longo sobre esse mesmo tema—, mas antes dar início a uma reflexão sobre a presença de objectos de arte neste género cinematográfico. A presença recorrente de formas, objects e práticas de arte em film noir pode, à partida, parecer estranho. Os principais percursores artísticos dos géneros—o filmes de gangster; a ficção hard-boiled de Raymond Chandler, Dashiell Hammett e Cornell Woolrich, entre outros; os Strassenfilme do cinema Weimar; e a escola Ash Can da pintura norte-americana— cultivavam atitudes de endurecimento moral e pragmático, de tough-mindedness e no-nonsense, que tomavam como os seus alvos directos os hábitos mentais e vivenciais das classes privilegiadas, entre os quais se incluem as práticas de produção, circulação e apreciação de obras de arte. Nesta afirmação conseguimos já vislumbrar um eventual motivo pela inclusão de uma reflexão sobre a arte no film noir, pois, se considerarmos este género como, de algum modo, dando continuidade a esta oposição programática entre uma cultura de effeteness e uma cultura de tough-mindedness, é lógico deduzir a necessidade de incluir dentro da sua própria moldura representantes de cada lado desta oposição. Contudo, a relação do film noir com representações do mundo da arte revela-se bem mais complexa do que esta oposição categórica sugere. Por um lado, vários dos realizadores que ajudariam a estabelecer o género tinham formação nas artes plásticas, como John Huston, Fritz Lang, e Orson Welles. Por outro lado, como sublinha Brigitte Peucker na sua obra Incorporating Images: Film and the Rival Arts (1995), a necessidade de elevar do cinema ao estatuto de arte propre, levou os seus praticantes seminais (Griffith, Hitchcock, Murnau, etc.) a inscrever, de forma emblemática, a emergência do cinema enquanto forma da arte legítima e independente no próprio tecido fílmico. Para além destes dois aspectos, não nos devemos esquecer da importância da tematização da representação no film noir. Tomada na sua forma mais geral, a representação surge como o tema-mor do género cinematográfico, onde as suas diversas formas—as artes plásticas, os espectáculos de cabaret e outros entretenimentos populares, a arte comercial e a representação teatral (ou acting)—circulam num espaço cuja função aparente ser a determinação moral, social e epistemológica destas mesmas formas. De todas estas formas, é a arte teatral que merece um destaque particular pela forma como a acting, neste género, esbate as linhas entre o real e o representado, levando o espectador para um estado generalizado de representação, tal como teorizado (fora do género, mas grosso modo temporalmente coincidente com ele) pelo sociólogo Erving Goffman na sua obra The Presentation of the Self in Everyday Life (1959 [1956]). Por conseguinte, no film noir o termo arte pode designar uma um conjunto de práticas humanas específicas ou resultados dessas práticas, mas não encontra uma oposição conceptual simples ou evidente: a não ser artlessness—isto é, uma forma de arte cujo artifício (por inépcia ou desespero) revela-se como tosco e transparente. |
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