São Gonçalo de Lagos: a “vita” e a hagiografia

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Main Author: Silva, Carlos Guardado da, 1971-
Publication Date: 2023
Language: por
Source: Repositórios Científicos de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP)
Download full: http://hdl.handle.net/10451/59394
Summary: Crendo nestes dados, Frei Gonçalo exerceu o cargo de prior em diversos conventos, consecutivamente, entre 1394 e 1445, quando da sua morte. Por outro lado, esta leitura atesta a existência de grande mobilidade dos membros da Ordem entre os distintos conventos, aproveitando a experiência acumulada pelo frade medicante. Gonçalo viveu e morreu em odores de santidade, fama que se conhece desde quando ainda se celebravam as suas exéquias, como regista, entre outros, Frei António da Purificação. Quando na vila de Torres Vedras se soube da morte do frade agostinho, muitos acorreram ao mosteiro e, acercando-se do seu “bom pai”, 'procuravam aver alguma cousa sua para a guardarem por reliquia em veneração de sua sanctidade” (Guimarães, 2005, p. 71). Todavia, a hagiografia Gonçalina é, essencialmente, uma 'inventio' barroca, isto é, uma construção através da qual se atualiza permanentemente a vida exemplar e a representação de Gonçalo de Lagos, acrescentando-se pormenores e alongando-se, consequentemente, a narrativa com elementos que procuram demonstrar uma imagem de santidade. Os seus autores citam fontes de informação, que fornecem argumentos de autoridade, permitindo simultaneamente preencher a sua vida de eventos e afastar o inverosímil. O próprio processo de beatificação demonstra já o desconhecimento de dados acerca da vida do santo, que o seu hagiógrafo principal, Frei Aleixo de Menezes, por ter contactado com os documentos escritos mais próximos do período de vida de S. Gonçalo, a tradição oral local e a que circulava no convento torriense de que fora prior, melhor conhecera. Esta construção cultual, que não é alheia a uma tentativa de restauração do prestígio religioso e espiritual da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, perdido no século XVI a favor dos Dominicanos e dos Jesuítas, termina com os processos de beatificação, reunidos entre 1759 e 1760 (Guimarães, 2004, p. 95), e a sua confirmação em 1778. Aqueles são igualmente informados pelas referidas hagiografias. O contexto não era, porém, o melhor, dado o contencioso político-diplomático instalado entre o reino de Portugal e a Santa Sé, em virtude da ação do Marquês de Pombal relativamente aos Jesuítas. Ultrapassado o con flito, foi enviada ao papa uma carta, datada de Faro, 29 de maio de 1773, solicitando a canonização de Frei Gonçalo de Lagos. Pio VI autorizou a análise dos processos pela Sagrada Congregação dos Ritos, em 16 de julho de 1777. A “santidade” de Gonçalo de Lagos foi confirmada e o culto autorizado pelo mesmo pontífice, em 27 de maio de 1778. De uma primeva canonização 'vox populi', São Gonçalo era finalmente reconhecido pela Igreja como beato, notícia que levaria à sua comemoração, durante três dias, no mosteiro de Nossa Senhora da Graça, em Lisboa.
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