Experiências ocupacionais e fatores associados à intensidade de dor por pessoas portadoras de dor crônica em um serviço de reabilitação: um estudo de corte transversal

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2024
Autor(a) principal: Machado, Bento Miguel
Orientador(a): Não Informado pela instituição
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Link de acesso: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/17/17139/tde-25072024-113304/
Resumo: Introdução: A dor crônica persistente ou recorrente por mais de três meses é uma condição multifatorial, caracterizada por um sofrimento emocional significativo que afeta diversas ocupações da vida e a participação em papéis ocupacionais. O tratamento adequado da dor crônica deve ser embasado no modelo biopsicossocial, adotando uma abordagem multimodal e interprofissional centrada na pessoa. Objetivos (Fase 1): Descrever as características epidemiológicas e clínicas das pessoas que aguardam atendimento em um serviço de reabilitação física municipal, abrangendo informações sobre sua situação sociodemográfica e de saúde. Detectar associações múltiplas entre a intensidade da dor relatada pelos participantes e vários fatores, como: aspectos sociais e emocionais, desempenho funcional. Além disso, mensurar a percepção da qualidade de vida na amostra. Objetivos (Fase 2): Analisar e compreender o discurso e experiências ocupacionais de pessoas que convivem diariamente com a dor crônica. Analisar as palavras e emoções mais recorrentes no discurso dos entrevistados. Materiais e Métodos: A pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, sob parecer número 5.046.076. Fase (1): Estudo quantitativo, transversal e descritivo. Foram incluídas pessoas maiores de 18 anos que aguardavam atendimento em um serviço de reabilitação municipal e que relataram presença de dor musculoesquelética contínua ou recorrente por um período superior a três meses. A amostra foi selecionada por conveniência, com recrutamento consecutivo com base na ordem de espera mais prolongada. Foram realizadas entrevistas individuais e os seguintes instrumentos foram empregados para avaliar as variáveis de desfecho: um questionário semiestruturado para coletar as informações sobre variáveis epidemiológicas; a Escala Numérica Visual para medir a intensidade da dor; o Roland Morris Questionário de Incapacidade foi utilizado para mensurar o desempenho funcional; a qualidade de vida foi avaliada com o uso do WHOQOL-abreviado; a identificação de aspectos emocionais foi realizada por meio da Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse. A análise dos dados foi conduzida utilizando estatística descritiva e inferencial, incluindo o Teste Qui-quadrado para Independência e Regressão Logística Multinomial. Fase (2): Estudo qualitativo, descritivo e exploratório. Foram incluídos participantes da Fase 1 que continuaram a relatar a presença de dor persistente ou recorrente por um período superior a três meses. A amostra foi selecionada por conveniência e foram recrutados os participantes identificados na Fase 1, como informantes-chaves devido à sua habilidade de comunicação. Foram conduzidos três grupos focais com diferentes participantes. Durante os grupos, um roteiro de questões norteadoras foi utilizado para guiar a entrevista e um questionário semiestruturado foi utilizado para coletar informações sobre variáveis epidemiológicas. A análise dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva; o software R foi utilizado em conjunto com o pacote \"syuzhet\", que incorpora o dicionário de sentimentos NRC, para analisar a frequência e a variação de sentimentos e emoções presentes. O modelo conceitual de matriz em sete etapas foi utilizado para a análise temática. Além disso, o modelo referencial analítico para interpretação dos dados foi a análise de discurso de filiação pecheuxtiana. Resultados (Fase 1): A espera por atendimento foi predominantemente composta por mulheres em idade economicamente ativa, com níveis variados de escolaridade, que abrangiam desde o ensino fundamental até o médio, e pertencentes a classes socioeconômicas mais baixas e maioria desempregada. As principais condições de saúde incluíram dorsalgia, lesões no ombro e gonartrose. Foi observada uma associação significativa com uma magnitude de efeito forte entre a intensidade da dor e o desempenho funcional, bem como entre a intensidade da dor e a dificuldade em ter um sono de qualidade. Além disso, uma associação de magnitude moderada foi encontrada entre a intensidade da dor e os sintomas de ansiedade, assim como entre a intensidade da dor e a renda familiar. Também se percebeu insatisfação em relação à qualidade de vida, principalmente nos domínios físico (41,5%) e do ambiente (48,9%). Os resultados indicam que pessoas com renda familiar mais alta têm menor probabilidade de experimentar dor intensa em comparação àquelas de renda familiar mais baixa; aqueles que sofrem de problemas de sono relacionados à dor têm uma maior probabilidade de experimentar dor intensa ou moderada em comparação àqueles que desfrutam de um sono adequado; pessoas com alterações no desempenho funcional devido à dor têm maior probabilidade de ter dor intensa em comparação àqueles que não possuem incapacidade; pessoas com sintomas ansiosos mais graves têm maior probabilidade de experimentar dor intensa em comparação àquelas com sintomas leves ou ausentes. Resultados (Fase 2): A amostra era principalmente constituída por mulheres em idade economicamente ativa, com níveis de educação no ensino fundamental, de raça parda e adeptas da religião evangélica e renda familiar inferior a dois salários-mínimos. A principal condição de saúde presente foi a dorsalgia. A categoria lexical de sentimentos mais prevalente no discurso dos entrevistados foi a emoção tristeza, seguida de medo. As categorias temáticas analisadas incluíram as seguintes áreas: limitações funcionais nas ocupações, estratégias de enfrentamento em relação à dor, crenças cognitivas, barreiras ao acesso aos serviços de saúde e dificuldades financeiras. Foram identificados discursos que se agruparam em formações discursivas, incluindo aquelas de natureza neoliberal, religiosa e machista. Além disso, foram observadas formações ideológicas relacionadas ao sistema capitalista e patriarcal. Também foram identificadas formações imaginárias, como a ênfase na estética do corpo, a construção de imagens como a da figura feminina tolerante à dor e a estigmatização da mulher que relata múltiplas queixas de saúde. Discussão (Fase 1): A caracterização epidemiológica e clínica das pessoas que sofrem de dor crônica em serviços de reabilitação física é fundamental para mapear as queixas funcionais e ocupacionais desses indivíduos. Isso permite à equipe de saúde compreender os fatores associados à intensidade da dor e, assim, desenvolver estratégias para maior participação e engajamento em ocupações significativas desse grupo. Isso inclui melhorias no acolhimento e no acompanhamento, educação sobre neurociência da dor e adoção de estratégias de enfrentamento. Faz-se necessário também, para além do olhar do bem-estar em saúde, o desenvolvimento de políticas públicas que assegurem o acesso à renda, emprego, saúde e participação social, bem como a busca pela redução de iniquidades em saúde e injustiças ocupacionais. Discussão (Fase 2): Pessoas que convivem com a dor crônica frequentemente enfrentam desafios significativos no desempenho ocupacional, podem desenvolver distorções cognitivas e recorrer a estratégias de enfrentamento passivas, pouco eficazes para lidar com a intensidade da dor. É importante considerar o impacto dos determinantes sociais que promovem injustiças ocupacionais e atuam na cronicidade da dor, tais como vulnerabilidade econômica, condições precárias de trabalho, suporte social reduzido, desigualdades de gênero e étnico-raciais. As mulheres, em particular, enfrentam a opressão de discursos patriarcais e neoliberais, padrões estéticos e estigmas sociais que perpetuam situações de violência e invisibilidade da dor. Considerações finais: Sugere-se que haja um aprofundamento nos estudos epidemiológicos que investiguem os fatores associados à intensidade da dor durante os episódios de agudização em pessoas com dor crônica. Compreender o funcionamento do discurso e as experiências ocupacionais dessa população, pode auxiliar os serviços de saúde especializados a desenvolverem estratégias de cuidado mais eficazes.