Encruzilhadas da interpretação na umbanda

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2015
Autor(a) principal: Macêdo, Alice Costa
Orientador(a): Não Informado pela instituição
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Link de acesso: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/59/59137/tde-30032016-144127/
Resumo: A umbanda caracteriza-se como um culto de possessão, cujos participantes, em transe, incorporam espíritos que se apresentam nos terreiros em cerimônias geralmente públicas a fim de trabalhar a serviço de seus fiéis e consulentes. O objetivo desta pesquisa foi investigar e descrever os processos interpretativos na umbanda, numa perspectiva etnopsicológica. Trata-se de um estudo de caso, de corte longitudinal, com base no método da escuta participante, entendida como a extensão do método psicanalítico a pesquisas de campo, mediante a utilização de técnicas etnográficas. A pesquisa de campo foi realizada no Centro de Umbanda Oxalá (Ribeirão Preto Estado de São Paulo Brasil), onde as consultas concedidas pelos espíritos incorporados pelo paide-santo foram integralmente acompanhadas mediante registros em diário de campo. Para tanto, a pesquisadora foi admitida no lugar de cambona do pai-de-santo, ou seja, um auxiliar da cerimônia. A teoria psicanalítica sobre a interpretação assumiu um valor heurístico nesta pesquisa, ao possibilitar a formulação de hipóteses de trabalho como diretrizes que permitiram ao pesquisador buscar a compreensão dos processos interpretativos na umbanda. As consultas apresentaram o uso de ingredientes-coisas-significantes que se assemelham a uma oração, mas performaticamente rezada pelo corpo, como frases que compõem um poema cuja interpretação se enuncia do próprio sistema simbólico umbandista. Sugere-se, portanto, que a interpretação neste contexto parece apresentar ricas possibilidades de combinações de recursos que se revelam para além do verbal. A psicanálise se mostrou um instrumento relevante para a pesquisa no que tange à experiência de campo, às relações transferenciais e ao refinamento da escuta. A perspectiva lacaniana foi útil na medida em que compreende que a interpretação se faz presente no acontecimento e o acontecimento inclui a sua interpretação; além de ter possibilitado a análise no registro simbólico a partir do entrecruzamento entre dois eixos, metáfora e metonímia, o que facilitou a imersão da escuta na própria linguagem dos espíritos da umbanda e, por fim, ter permitido mapear interpretações que operam na materialidade, ao pé da letra e ao pé das coisas. De outro modo, percebeu-se que o método freudiano de interpretação dos sonhos não estabeleceu aproximações com o que ocorre nos terreiros, pois na umbanda a interpretação não parece operar a partir de conteúdos manifestos para o acesso a conteúdos latentes. No caso da umbanda, a interpretação se dá em ato, ou melhor, é, em si, o próprio ato, inscreve-se no corpo, dá-se a ver, mas um ver que seja rente à pele e não restrito aos olhos. Além disso, embora tenha sido útil a ideia de que o autor da interpretação dos sonhos seja o próprio sonhador, no caso da umbanda, o sujeito intérprete não é somente o médium, o espírito, o cambono ou os consulentes. O sujeito da interpretação perpassa todos esses personagens, mas reside no próprio sistema simbólico umbandista. Desse modo, propõe-se que a espiritualidade não seja desconsiderada, mas tratada como um recurso para o desenvolvimento de novas noções de acolhimento que não somenterespeitem a cultura do outro, mas, sobretudo, incorporem-nas às suas estratégias de cuidado. Embora esta pesquisa não tenha pretendido investigar como as comunidades afrobrasileiras compreendem saúde e doença, sofrimento e cuidado, ela buscou contribuir para um entendimento de como, mediante procedimentos interpretativos, esse universo cultural refina a escuta e o acolhimento daqueles que a ele recorrem.