Alterações neuroquímicas e neurocomportamentais causadas pela administração in vivo do ácido L-2-hidroxiglutárico em ratos neonatos e disfunção energética provocada pelo ácido D-2-hidroxiglutárico in vitro em coração de ratos adolescentes

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2023
Autor(a) principal: Ribeiro, Rafael Teixeira
Orientador(a): Wajner, Moacir
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Não Informado pela instituição
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Link de acesso: http://hdl.handle.net/10183/259615
Resumo: As acidúrias D-2-hidroxiglutárica (D-2-HGA) e L-2-hidroxiglutárica (L-2-HGA) são distúrbios neurometabólicos caracterizados bioquimicamente pelo acúmulo tecidual e elevada excreção urinária dos ácidos D-2-hidróxiglutárico (D-2-HG) e L-2- hidroxiglutárico (L-2-HG), respectivamente. A D-2HGA tipo 1 (D-2-HGA1) é causada por mutações patogênicas no gene que codifica a enzima mitocondrial D-2- hidroxiglutarato desidrogenase (D-2-HGDH), enquanto mutações de ganho de função da enzima isocitrato desidrogenase 2 (IDH2) são a causa da D-2HGA2. As manifestações clínicas da D-2HGA1 e D-2-HGA2 são predominantemente neurológicas tais como convulsões, hipotonia e atraso no desenvolvimento psicomotor, devido a isso são consideradas acidemias orgânicas cerebrais. No entanto, a D-2HGA2 é mais severa, manifestando-se no período neonatal com alto risco de vida causada pela cardiomiopatia que acomete metade dos pacientes, ocorrendo concomitante a graves manifestações neurológicas, enquanto a D-2HGA1 corresponde a uma variante mais branda da doença com sinais exclusivamente neurológicos. Por outro lado, a acidúria L-2-hidroxiglutárica (L-2-HGA) tem como causa mutações patogênicas no gene que codifica a enzima mitocondrial FAD-dependente L-2-hidroxiglutarato desidrogenase (L-2-HGDH). Os pacientes afetados pela L-2-HGA apresentam um fenótipo clínico mais brando, homogêneo e progressivo, apresentando exclusivamente sinais neurológicos, como atraso no desenvolvimento motor e cognitivo, epilepsia, ataxia cerebelar, macrocefalia e sintomas extrapiramidais, tais como tremor e distonia, sendo também considerada uma acidúria orgânica cerebral. A neuropatologia da D-2HGA é caracterizada por atraso na maturação cerebral e anormalidades na substância branca cerebral, com alargamento dos ventrículos laterais e alterações anatômicas nos gânglios da base, enquanto a L-2HGA apresenta alterações na substância branca (leucodistrofia) e anormalidades no córtex cerebral, nos núcleos da base (núcleo denteado, globo pálido, putamen e no núcleo caudado) e no cerebelo. Tendo em vista que a patogênese do dano cerebral nos pacientes afetados por essas doenças ainda é pouco conhecida, bem como da cardiomiopatia da D- 2HGA2, a presente investigação teve por objetivo inicial avaliar os efeitos ex vivo da administração intracerebroventricular (icv) do L-2HG a ratos neonatos sobre a homeostase redox no cerebelo, bem como parâmetros imunohistoquimicos de viabilidade neuronal, reatividade astrocitária, ativação microglial e mielinização no córtex cerebral e estriado dos animais. Também foram avaliados os efeitos da administração icv de L-2- HG sobre o desenvolvimento neurocomportamental, motor e cognitivo. Em alguns experimentos, os animais foram pré-tratados intraperitonealmente com o antioxidante melatonina uma hora antes da administração icv de L-2HG. Por fim, avaliamos os efeitos in vitro do D-2-HG sobre a homeostase energética em coração de ratos adolescentes e em culturas de cardiomioblastos (H9c2). Inicialmente, avaliamos os efeitos do L-2-HG 6 horas após a administração icv sobre os parâmetros de homeostase redox no cerebelo. Os resultados mostraram que a administração de L-2-HG aumentou a oxidação da 2’,7’ - diclorofluoresceína (DCFH), refletindo uma maior produção de espécies reativas de oxigênio (EROs), acompanhada de uma maior lipoperoxidação, determinada pelo aumento significativo nos níveis de malondialdeído (MDA). A injeção icv do metabólito provocou alterações do sistema antioxidante cerebelar, diminuindo as concentrações de glutationa reduzida (GSH) e aumentando as atividades das enzimas antioxidantes glutationa peroxidase (GPx) e superóxido dismutase (SOD), indicando um provável mecanismo compensatório com aumento da transcrição gênica dessas enzimas secundário a elevação das espécies reativas no cerebelo dos animais neonatos. Demonstramos também que o pré-tratamento com melatonina preveniu totalmente o aumento na produção de EROs, a lipoperoxidação e a diminuição do GSH, sem alterar as atividades das enzimas antioxidantes. Na sequência, observamos nos dias pós-natais (DPN) 15 e 75, que a administração neonatal do metabólito aumentou significativamente o conteúdo da proteína glial fibrilar ácida (GFAP) e da proteína ligante de cálcio S100B, indicando aumento da reatividade astrocitária, bem como induziu a diminuição do número de células NeuN-positivas (perda neuronal), aumentou o conteúdo de Iba1 (ativação microglial) e redução das proteínas de mielina MBP e CNPase (distúrbio na mielinização) no córtex cerebral e no estriado. Além disso, a melatonina preveniu esses efeitos, sugerindo que o estresse oxidativo pode estar relacionado a esses efeitos deletérios do L-2-HG. Por fim, observou-se que uma única injeção icv de L-2-HG no período neonatal causou atraso no neurodesenvolvimento de ratos jovens e déficit cognitivo e motor nestes animais em idade adulta. Mais uma vez, a melatonina preveniu o comprometimento do desenvolvimento neuromotor e o déficit cognitivo provocado pelo L-2-HG. Em conjunto, nossos dados fornecem pela primeira vez evidências de vários mecanismos patológicos de dano cerebral causados pelo principal metabólito acumulado na L-2-HGA administrado a ratos neonatos e, mais importante, que a melatonina foi capaz de prevenir a maioria das alterações neuroquímicas, histológicas e comportamentais provocadas por este metabólito, indicando que o estresse oxidativo pode ser central na patogênese da L-2- HGA. Nesse particular, o uso de antioxidantes poderia representar uma nova estratégia terapêutica para a doença. O presente trabalho também investigou a toxicidade do D-2-HG sobre o coração, estudando seus efeitos in vitro sobre um amplo espectro de parâmetros do metabolismo energético em coração de ratos jovens e em cardiomioblastos cultivados (H9c2). O D-2- HG inibiu a respiração celular em preparações mitocondriais purificadas e homogeneizados brutos de coração de ratos jovens, bem como em células H9c2. A produção de ATP e as atividades das enzimas citocromo c oxidase (complexo IV), alfacetoglutarato desidrogenase, citrato sintase e creatina quinase também foram inibidas pelo D-2-HG, enquanto as atividades dos complexos I, II e II-III da cadeia respiratória, glutamato, succinato e malato desidrogenases não foram alterados. Também verificamos que este ácido orgânico comprometeu a capacidade de retenção de Ca²+ mitocondrial em preparações mitocondriais de coração. Finalmente, o D-2-HG reduziu a viabilidade dos cardiomioblastos H9c2 cultivados, como determinado por uma diminuição do MTT e aumento da incorporação de iodeto de propídio. Enfatize-se que o L-2-HG não alterou alguns desses parâmetros (atividades do complexo IV e da creatina quinase) em preparações mitocondriais do coração, indicando um efeito inibitório seletivo do enantiômero D. Em conclusão, presume-se que o D-2-HG compromete a bioenergética mitocondrial e a capacidade de retenção de Ca²+, o que pode contribuir potencialmente para a cardiomiopatia comumente observada na D2HGA2. Assim, drogas estimuladoras da respiração celular, tais como o bezafibrato, e a triheptanoína que é uma droga anaplerótica poderiam beneficiar os pacientes com essa doença.