Resumo: |
A hiperglicinemia não-cetótica (HNC) é um erro inato do metabolismo causado pela deficiência do sistema de clivagem da glicina (Gli), levando ao acúmulo tecidual e plasmático desse aminoácido. Apesar de a fisiopatologia do dano neurológico apresentado pelos pacientes afetados por HNC ainda não estar bem esclarecida, tem sido sugerido que o acúmulo de Gli é neurotóxico. O presente trabalho investigou inicialmente os efeitos ex vivo da administração intracerebroventricular (ICV) de Gli sobre o metabolismo energético e o imunoconteúdo das proteínas cinases dependentes de mitógenos (MAPK) p38, ERK1/2 e JNK, sinaptofisina e proteína Tau em córtex cerebral e estriado de ratos de 30 dias de vida. Verificamos que a injeção ICV de Gli reduziu a produção de CO2 a partir de glicose e inibiu as atividades das enzimas citrato sintase e isocitrato desidrogenase em estriado. A Gli também diminuiu as atividades dos complexos da cadeia transportadora de elétrons I-III em estriado e do IV em córtex cerebral. Além disso, a Gli diminuiu a atividade da enzima creatina cinase (CK) e de sua isoforma mitocondrial em córtex cerebral e estriado. O tratamento com os antioxidantes melatonina (MEL) e creatina e com o antagonista do receptor NMDA (MK-801) preveniu a diminuição das atividades da CK e dos complexos I-III e IV causado pela administração de Gli. Ainda verificamos que a Gli diminuiu o conteúdo de sinaptofisina, e a fosforilação da proteína Tau e das MAPK p38, ERK1/2 e JNK. O tratamento com MK-801 preveniu a diminuição da fosforilação da p38 causada pela Gli O próximo passo foi estudar o efeito ex vivo da injeção ICV de Gli sobre o metabolismo energético, a homeostase redox e parâmetros gliais em córtex cerebral de ratos neonatos. Foi demonstrado que a injeção de Gli em ratos de 1 dia de vida diminuiu a atividade do complexo IV da cadeia transportadora de elétrons e da CK, além de induzir aumento da geração de espécies reativas, diminuir as concentrações de glutationa reduzida (GSH), aumentar os níveis de malondialdeído (MDA) e modular a atividade das enzimas antioxidantes superóxido dismutase (SOD), catalase (CAT) e glutationa peroxidase (GPx). A injeção de Gli ainda foi capaz de induzir reatividade glial demonstrada pelo aumento da marcação de S100B em córtex cerebral e estriado, e GFAP em corpo caloso. Além disso, o tratamento com MEL preveniu a inibição do complexo IV e da enzima CK, o aumento dos níveis de MDA, a diminuição de GSH e o aumento de S100B causada pela Gli. Na última parte de nossa investigação foi examinado o efeito in vitro da Gli sobre a homeostase energética e redox em cerebelo de ratos de 30 dias de idade A Gli aumentou a produção de espécies reativas, os níveis de MDA e diminuiu as concentrações de GSH, sem alterar o metabolismo energético no cerebelo. Além disso, a adição de MEL, trolox (análogo hidrossolúvel da vitamina E) e MK-801 preveniram os efeitos deletérios da Gli sobre os níveis de MDA e GSH em cerebelo. Como conclusão, o nosso estudo mostra que a Gli causa um prejuízo na homeostase energética e induz estresse oxidativo em cérebro de ratos jovens e neonatos, bem como provoca reatividade glial em cérebro de neonatos. A Gli também altera as vias de sinalização das MAPK e causa dano neuronal em córtex cerebral e estriado, além de induzir estresse oxidativo in vitro em cerebelo. Portanto, alterações na homeostase redox e energética e excitotoxicidade parecem contribuir, ao menos em parte, para a fisiopatologia do dano neurológico apresentado pelos portadores da HNC. |
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