Microquímica do poder: uma análise genealógica dos psicofármacos contemporâneos

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2021
Autor(a) principal: Soares, Silvio de Azevedo [UNESP]
Orientador(a): Não Informado pela instituição
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Palavras-chave em Português:
Link de acesso: http://hdl.handle.net/11449/204943
Resumo: Este trabalho tem por objetivo descrever – no atual contexto de medicalização e psiquiatrização do social – as singularidades políticas e subjetivas que se podem desdobrar do discurso da psiquiatria neurobiológica contemporânea em relação ao uso de psicofármacos (em particular, do Prozac), como também destacar traços de resistência ao emprego desses medicamentos. Para alcançar esse objetivo, lanço mão das ferramentas analíticas da genealogia tal como desenvolvida por Foucault. Nesse sentido, a questão dessa pesquisa passa pela concepção dos psicofármacos como um dispositivo, uma rede histórica e singular de práticas de poder, discursos de saber e modos sujeição. Para demarcar as especificidades político-subjetivas do atual dispositivo psicofármacos realizo uma análise das relações de poder-saber-sujeição que atravessam a psiquiatria em dois intervalos históricos distintos. No primeiro período, a partir de uma revisão bibliográfica dos cursos de Foucault O poder psiquiátrico, Os anormais, do seu livro História da Loucura e de outros ditos e escritos de seu período genealógico, trato da consolidação da psiquiatria na França do século XIX (sublinhando o uso asilar de substâncias com efeitos psicoativos). Antes de tratar dos discursos contemporâneos sobre os psicofármacos, em um exercício de acontecimentalização, analiso – numa reflexão amparada em revisão bibliográfica – cinco pequenos acontecimentos (no sentido foucaultiano de inversão de forças) que participaram da naturalização dos psicofármacos como a principal tecnologia da psiquiatria atual: a) a especificação dessa classe de medicamentos a partir dos anos 1950; b) o desenvolvimento das neurociências nos anos 1960; c) os movimentos antipsiquiátricos dos anos 1960-1970; d) a consolidação da psiquiatria neurobiológica com a publicação em 1980 da terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III); e) a emergência de uma nova geração de psicofármacos no final dos anos 1980 e início dos 1990: os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS). Nessa reflexão genealógica destaco como se desenvolveu uma interface psiquiátrica do farmacopoder (tal como descrita por Preciado) e se constituiu uma dimensão neuro da biopolítica molecular (como delineada por Rose). Em seguida trato dos discursos sobre a utilização contemporânea dos psicofármacos, circunscrevendo como unidades de análise: manuais de psiquiatria e psicofarmacologia, manual de saúde mental do Ministério da Saúde, publicações da Associação Brasileira de Psiquiatria, o best-seller internacional Ouvindo o Prozac do psiquiatra estadunidense Peter Kramer e o documentário Estamira (compreendido como um documentário de inspiração genealógica por possibilitar a veiculação de discursos sujeitados). Diante dos conteúdos desse corpus documental examino: a) como, nesses enunciados, se traçam ações de poder-sujeição e de governo de condutas, bem como tentativas de resistências; b) como esse conjunto de proposições sobre psicofármacos pode integrar uma estratégia neoliberal de governo das condutas (em nome da recuperação, manutenção ou potencialização do capital humano dos indivíduos). O argumento desse trabalho é a de que o atual dispositivo psicofármacos configura-se como um dos elementos táticos de uma biopolítica neuromolecular que apresenta convergências com as estratégias neoliberais de governo das condutas (de um sujeito “empresário de si” em um contexto de concorrência interindividual generalizada).