Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: |
2023 |
Autor(a) principal: |
Tavares, Emanuella de Aragão |
Orientador(a): |
Langassner, Silvana Maria Zucolotto |
Banca de defesa: |
Não Informado pela instituição |
Tipo de documento: |
Tese
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Tipo de acesso: |
Acesso embargado |
Idioma: |
por |
Instituição de defesa: |
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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Programa de Pós-Graduação: |
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA EM MEDICAMENTOS
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Departamento: |
Não Informado pela instituição
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País: |
Brasil
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Palavras-chave em Português: |
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Área do conhecimento CNPq: |
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Link de acesso: |
https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/54902
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Resumo: |
INTRODUÇÃO. As doenças inflamatórias intestinais (DII’s) e a síndrome metabólica são duas condições de saúde em ascensão em todo o mundo, principalmente nos países desenvolvidos (1–3). As DII’s, incluindo a doença de Crohn e a colite ulcerativa, são doenças crônicas que afetam o trato gastrointestinal e podem causar sintomas como rectorragia, diarreia com muco ou sangue, dor abdominal, fadiga e perda de peso (4). A síndrome metabólica, por sua vez, é um conjunto de condições médicas, incluindo obesidade abdominal, hipertensão arterial, aumento dos níveis de açúcar no sangue e dislipidemia (5). Ambas são enfermidades multifatoriais e complexas, cuja etiopatologia envolve uma combinação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais. No caso das DII’s, acreditase que a interação entre a microbiota intestinal, o sistema imunológico e os fatores ambientais possam desempenhar um papel importante no seu desenvolvimento. Além disso, fatores como o tabagismo, o estresse e o uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroides também podem contribuir para o desenvolvimento das DII’s (6,7). Assim como as DII’s, a síndrome metabólica também está associada a uma inflamação crônica implicada na sua patogênese. O conjunto de fatores de risco, como obesidade abdominal, resistência à insulina, hipertensão arterial e dislipidemia aumentam o risco de desenvolver doenças cardiovasculares, como ataque cardíaco e acidente vascular cerebral (8). A inflamação crônica ocorre quando o sistema imunológico do corpo é ativado persistentemente, o que leva à produção contínua de citocinas pró-inflamatórias e a um estado inflamatório crônico. O tratamento da síndrome metabólica muitas vezes envolve a redução da inflamação crônica por meio de mudanças no estilo de vida, como dieta saudável, exercícios físicos regulares e controle do estresse, além de medicamentos para controlar a pressão arterial, reduzir os níveis de açúcar no sangue e reduzir os níveis de colesterol e triglicerídeos. Embora as DII’s e a síndrome metabólica sejam condições diferentes, elas podem estar relacionadas em certos indivíduos, e um melhor entendimento da inflamação crônica pode ajudar no desenvolvimento de tratamentos complementares para ambas as condições (9). Evidências clínicas mostram que o uso de fenólicos isolados ou de extratos ricos em fenólicos administrados em combinação com medicamentos já utilizados na terapia das DII’s e da síndrome metabólica contribuem com a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e para manter a doença no estado remissivo (10,11). Os polifenóis são metabólitos secundários produzidos por vegetais que possuem propriedade antioxidante e anti-inflamatória, o que os torna eficazes na prevenção e tratamento dessas doenças. Sua notável capacidade anti-inflamatória e antioxidante se deve a múltiplos alvos de ação, como a inibição da produção ou da ação de mediadores pró-inflamatórios ou até mesmo sob a forte influência que pode exercer sobre a microbiota intestinal (12–14). Neste cenário, a cactácea Nopalea cochenillifera (L.) Salm-Dyck, conhecida popularmente como palma, palma-forrageira e palma “doce” ou “miúda”, é uma boa fonte de compostos bioativos anti-inflamatórios. Os seus cladódios são ricos em polissacarídeos e polifenois (15), e têm sido amplamente utilizados para fins agrícolas, alimentares e medicinais (16). É tradicionalmente utilizada como anti-inflamatório e curativo no tratamento de doenças como colesterol elevado, tensão arterial, problemas renais e urinários, e no tratamento da diabetes (17,18). Estudos anteriores relataram o potencial antibiótico e antifúngico da N. cochenillifera em ensaios in vitro (19,20). Além disso, foi observada a redução da glicemia em estudos in vivo (21) e em um ensaio clínico piloto (22). Em relação ao efeito anti-inflamatório, a administração oral do extrato hidroetanólico dos cladódios de N. cochenillifera demonstrou uma significativa atividade anti-inflamatória em modelos de indução de granuloma e úlcera gástrica em roedores (23,24). Os polifenois presentes no extrato de N. cochenillifera já são considerados uma fonte promissora de agentes bioativos. No entanto, quando se trata de doenças inflamatórias intestinais, direcionar esses ativos para a região do cólon e reduzir as concentrações de extratos vegetais necessárias para alcançar atividade farmacológica ainda são desafios a serem superados. O desenvolvimento de sistemas de administração de medicamentos capazes de transportar as substâncias ativas do extrato até o tecido do cólon é uma alternativa promissora para melhorar a biodisponibilidade oral e prolongar sua retenção no cólon. Os sistemas nanoestruturados têm demonstrado propriedades interessantes e promissoras nesse sentido, como a melhoria da estabilidade, solubilidade e biodisponibilidade de compostos naturais, além de possibilitar o controle da liberação dos compostos bioativos e redução das doses e frequências de administração (25–27). Estratégias que envolvam a encapsulação do extrato de N. cochenillifera e o direcionamento da sua liberação para a região do cólon podem potencializar sua eficácia e reduzir a dose terapêutica necessária. Considerando o potencial bioativo da N. cochenillifera, é relevante destacar que esta espécie é uma excelente escolha para o desenvolvimento de um insumo nacional, devido à sua adaptação à região nordeste do Brasil e à presença de cultivos estabelecidos. Isso possibilita o desenvolvimento de toda cadeia produtiva no país, desde o cultivo até o insumo e/ou o produto acabado, o que pode ter impactos positivos na economia local, como a geração de empregos e o fomento ao desenvolvimento sustentável da região. Nesse contexto, essa proposta visa realizar um estudo fitoquímico do extrato de Nopalea cochenillifera e avaliar o efeito anti-inflamatório em modelos in vivo de inflamação intestinal e de síndrome metabólica. OBJETIVO. Este trabalho teve como objetivo realizar um estudo fitoquímico do extrato hidroetanólico dos cladódios de Nopalea cochenillifera, bem como avaliar a toxicidade e eficácia nos modelos in vivo de inflamação intestinal e de síndrome metabólica. Além disso, este trabalho teve como objetivo desenvolver e caracterizar um sistema nanoparticulado carregado com o extrato de N. cochenillifera e avaliar o efeito farmacológico do extrato livre (NCE) e associado a nanopartículas (NPE). Assim, foram propostos cinco objetivos específicos: 1. Caracterizar físico-quimicamente o extrato de N. cochenillifera, determinar o teor dos compostos fenólicos totais e flavonoides totais e o perfil cromatográfico por cromatografia liquida de alta eficiência acoplada a espectrometria de massas (CLAEEM). 2. Avaliar a toxicidade oral aguda do extrato hidroetanólico de N. cochenillifera em ratas. 3. Avaliar o efeito anti-inflamatório intestinal de diferentes doses do extrato hidroetanólico de N. cochenillifera em modelo de inflamação intestinal experimental induzida por ácido 2,4-dinitrobenzeno sulfônico (DNBS) em ratas. 4. Desenvolver, caracterizar e avaliar os efeitos de um sistema nanoparticulado carregado com o extrato hidroetanólico de N. cochenillifera em um modelo de inflamação intestinal experimental induzida por dextrano sulfato de sódio (DSS) em camundongos. 5. Avaliar o efeito do extrato hidroetanólico de N. cochenillifera em um modelo experimental de síndrome metabólica induzida por dieta rica em gordura em camundongos. METODOLOGIA. 1. Preparação e caracterização físico-química do extrato hidroetanólico de N. cochenillifera (NCE) Os cladódios de N. cochenillifera foram coletados, em seguida fragmentados em pedaços menores, secos em estufa de ar circulante, triturados e submetidos a extração pelo método de maceração com solvente hidroetanólico na proporção 1:10 (p/v). Na análise físico-química do NCE, determinou-se o pH, a acidez titulável, teores de umidade, cinzas, extrato etéreo, fibra bruta, proteínas e carboidratos totais. Estas análises foram realizadas conforme recomendado pelos métodos da AOAC (2020). O teor de fenólicos total do extrato de NCE foi determinado com base no método do reagente Folin-Ciocalteu (28) e o teor de flavonoides totais foi determinado pelo método colorimétrico do cloreto de alumínio (29). O perfil cromatográfico foi determinado por cromatografia líquida de alta eficiência acoplada a espectrômetro de massas com fonte de ionização por electrospray (CLAE-IES-EM). 2. Avaliação da toxicidade oral aguda de NCE em ratos A toxicidade aguda por via oral do extrato de N. cochenillifera foi realizada seguindo os critérios recomendados pela OECD, 2001 (Guidelines for Testing of Chemicals) (30). Foram utilizados Ratos da linhagem Wistar (Rattus norvegicus). O grupo teste recebeu uma dose única de 2000 mg/kg de NCE. Nos dias 1, 7 e 14 após administração de NCE, os animais do grupo teste e controle, foram submetidos ao teste comportamental e motor (Teste de campo aberto e rota-rod). No 15º dia, os animais foram anestesiados e feito uma coleta de sangue por punção cardíaca para a realização de exames hematológicos e bioquímicos. Os órgãos (fígado, rim e baço) dos animais foram examinados macroscópica e microscopicamente. 3. Estudo da atividade anti-inflamatória intestinal “in vivo” A indução da inflamação intestinal foi realizada por ácido DNBS em ratas Wistar (31) e por DSS em camundongos C57BL/6J (32). No estudo com DNBS, os animais receberam três diferentes doses de NCE (100, 200 e 300 mg/kg/dia). No estudo com DSS, foi investigado o efeito anti-inflamatório do extrato livre (200 mg/kg/dia) e incorporado a nanopartículas poliméricas. Em ambos, o índice de atividade da doença (IAD) foi avaliado pela variação do peso corporal, presença de hemorragia retal e consistência das fezes (32). Após eutanásia, a expressão de marcadores inflamatórios e oxidativos, bem como análises macro e microscópica foram avaliadas nas amostras de cólon. Uma avaliação da permeabilidade intestinal pelo método de administração oral de FITC-dextrano foi realizada apenas com os animas submetidos a indução inflamatória intestinal por DSS (33). 4. Obtenção e caracterização das nanopartículas poliméricas As nanopartículas carregadas com extrato de N. cochenillifera (NPE) foram preparadas pelo método de nanoprecipitação (34,35). As nanopartículas foram caracterizadas quanto ao tamanho, índice de polidispersão (PdI), potencial zeta, eficiência de encapsulação (EE) e morfologia. A estabilidade física das nanopartículas foi avaliada durante um período de 30 dias. 5. Estudo do efeito do extrato de N. cochenillifera (NCE) em um modelo de síndrome metabólica Camundongos machos C57BL/6J foram divididos aleatoriamente em quatro grupos experimentais: controle (dieta padrão); controle + NCE (dieta padrão, tratados com NCE (200 mg/kg)), controle (dieta rica em gordura) e controle + NCE (dieta rica em gordura, tratados com NCE (200 mg/kg). Ao longo do período experimental de 10 semanas, foram avaliados o peso corporal e a ingestão de água e comida (36). Uma semana antes da eutanásia, os camundongos foram privados de alimentos por 6 horas e um teste de tolerância à glicose foi realizado. Ao final do experimento, os animais foram anestesiados e feito uma coleta de sangue por punção cardíaca para a realização da medição os níveis plasmáticos de glicose. Fígado, baço, rins, cólon, gordura abdominal, epididimal e marrom, foram coletados, pesados e analisados macroscopicamente. Amostras de fígado, cólon e/ou tecido adiposo foram analisados microscopicamente e processados para determinações bioquímicas a fim de avaliar a expressão gênica de diferentes marcadores por PCR quantitativo em tempo real (Rt-qPCR). RESULTADOS. O teor de fenólicos totais e flavonoides totais por grama de extrato seco foi de 67,85 mg e 46,16 mg/g, respectivamente. Através da análise por CLAE-IES-EM, foi caracterizado um total de 25 compostos tais como sacarídeos, ácidos orgânicos, ácidos fenólicos e flavonoides. No estudo de toxicidade, a dose de 2000 mg/kg de extrato administrada por via oral não mostrou sinais de toxicidade, mortalidade ou alterações significativas nos parâmetros comportamentais, bioquímicos e hematológicos. Quanto aos efeitos anti-inflamatórios intestinais na indução com DNBS, a análise macroscópica do cólon indicou que o NCE diminuiu o índice de atividade da doença (IAD). As concentrações de interleucina 1 beta (IL-1β) e do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) diminuíram, a de interleucina 10 (IL-10) aumentou e os níveis de malondialdeido (MDA) e mieloperoxidase (MPO) diminuíram quando comparados com o grupo controle. Além disso, foi observada uma diminuição da expressão gênica de marcadores inflamatórios como proteína quinase ativada por mitógeno 1 (MAPK-1) e fator nuclear kappa B (NF-κB p65) nas amostras de cólon. A integridade epitelial foi melhorada segundo as análises histopatológica e imunohistoquímica. Os grupos que receberam doses de 200 e 300 mg/kg apresentaram melhores resultados. Análises físico-químicas mostraram que as nanopartículas carregadas com extrato (NPE) são esféricas com carga superficial positiva, tamanho de 76,45 nm, potencial zeta positivo, alta eficiência de encapsulamento (EE = 100%) e estáveis por 30 dias. Quanto aos efeitos antiinflamatórios intestinais na indução com DSS, foi observado que o tratamento com o extrato livre NCE (200 mg/kg) e com NPE (4 mg/kg) também reduziram o índice de atividade da doença (IAD), preveniram o encurtamento do cólon e promoveram redução na expressão de marcadores inflamatórios como IL-1β, TNF-α, interleucina 6 (IL-6), receptor toll-like tipo 4 (TLR-4), proteína quimiotática de monócitos 1 (MCP-1), proteína inflamatória de macrófagos 2 (MIP-2), molécula de adesão intercelular 1 (ICAM-1) e óxido nítrico sintase induzível (iNOS). Uma melhora da integridade da mucosa intestinal dos animais tratados com NCE e NPE também foi observada mediante um aumento na expressão de marcadores de barreira como Zona de oclusão 1 (ZO-1), Ocludina (OCLN) e Mucina 3 (MUC-3), os achados histopatológicos corroboraram com estes resultados. Os efeitos do NCE também foram positivos no modelo de síndrome metabólica induzida em camundongos utilizando dieta rica em gordura. A administração de NCE em camundongos obesos reduziu significativamente o ganho de peso corporal, quando comparado ao grupo não tratado, embora não tenham sido observadas diferenças significativas no consumo de energia entre estes grupos. A administração de NCE também reduziu a glicemia basal e a resistência à insulina, mostrou uma melhora no perfil lipídico plasmático em comparação com os camundongos obesos não tratados e resultou significativamente em um aumento da expressão do transportador de glicose GLUT-2 no fígado, evidenciado pela melhora dos níveis de glicose no sangue dos camundongos obesos tratados. A expressão do receptor de leptina (Leptin-R) no tecido hepático dos camundongos obesos tratados foi reduzida, mas houve uma recuperação significativa com o tratamento com NCE. Além disso, foi observado um aumento na expressão do receptor alfa ativado por proliferador de peroxissomo (PPAR-α) no grupo tratado. A expressão proteica da proteína quinase ativada por monofosfato de adenosina (AMPK) e da fosfoinositídeo 3-quinase (PI3K) no fígado dos camundongos alimentados por HFD foi diminuída, porém, houve uma recuperação significativa nos animais tratados. Análises da expressão dos marcadores de barreira intestinal (ZO-1 e MUC-3) em amostras de cólon de camundongos obesos tratados indicaram que o extrato conseguiu melhorar a integridade da barreira intestinal, a qual é normalmente comprometida em camundongos obesos. CONCLUSÃO. Em relação aos efeitos de NCE do modelo de inflamação intestinal por DNBS e de NCE e NPE no modelo por DSS, foi observado que ambos apresentaram efeito preventivo e antiinflamatório por meio da redução no escore do índice de atividade da doença e nos danos macroscópicos e microscópicos do cólon. Através das análises moleculares realizadas, foi possível observar que NCE e NPE diminuíram os níveis de mediadores inflamatórios e oxidativos, e promoveram a regulação negativa da expressão de genes de importantes vias inflamatórias e oxidativas. Além disso, NCE e NPE contribuíram para a melhora da integridade epitelial de acordo com as análises de marcadores de barreira e através das técnicas histológicas. O extrato livre e o associado a nanopartículas apresentaram resultados semelhantes, no entanto, a dose de NCE incorporado no NPE foi 50x menor que a dose de extrato livre avaliado no ensaio de indução inflamatória intestinal por DSS. Nos ensaios de síndrome metabólica induzida por dieta, o NCE apresentou uma melhora no perfil metabólico dos camundongos obesos, assim também como uma significativa redução do ganho de peso corporal. Estes efeitos foram associados a uma melhora no estado inflamatório sistêmico e diferentes mecanismos parecem estar envolvidos, destacamos os possíveis efeitos imunomoduladores dos fenólicos, já que esses compostos podem ter efeitos benéficos na regulação de genes envolvidos em processos metabólicos, inflamatórios e de estresse oxidativo. No entanto, é necessário realizar mais estudos para entender completamente os mecanismos subjacentes. Os resultados pré-clínicos in vivo indicam que NCE livre ou incorporado a nanopartículas é benéfico na prevenção da colite induzida e na síndrome metabólica, portanto, os resultados deste estudo dão suporte a futuras investigações sobre o potencial terapêutico do extrato de N. cochenillifera no tratamento das doenças inflamatórias intestinais e da síndrome metabólica e indica seu potencial promissor como um ingrediente bioativo para o desenvolvimento de um fitoterápico ou um suplemento funcional inovador no tratamento complementar destas doenças. |