Cuidado advertido: uma leitura psicanalítica da experiência subjetiva de cuidado ao paciente com COVID-19

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2023
Autor(a) principal: Leite, Darla Moreira Carneiro
Orientador(a): Não Informado pela instituição
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Universidade Estadual do Ceará
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Link de acesso: https://siduece.uece.br/siduece/trabalhoAcademicoPublico.jsf?id=111786
Resumo: O cuidado é considerado como o cerne do trabalho de todos os profissionais de saúde e com a instauração da pandemia de COVID-19, em meados de 2020, essa prática se viu comprometida, exigindo que todos tomassem medidas protetivas para evitar a contaminação e a possibilidade de morte. Isso ocorreu uma vez que o conhecimento científico, que antes sustentava a sua realização, estava ameaçado, levando a todos a continuarem praticando o cuidado amparado apenas nos recursos subjetivos que cada um continha. Por mais padronizado que o cuidado fosse, ele não conseguiu ser resguardado do caráter inédito, imprevisível, contido na evolução observada nos quadros clínicos dos pacientes com COVID-19. Então, diante da falta de certeza e garantia do cuidado, os profissionais tiveram que lidar com os efeitos subjetivos advindos a partir da prática de cuidado os quais já eram observados antes mesmo da pandemia, causando muitas vezes sofrimento para os profissionais. O que se observou com a vivência da pandemia de COVID-19 foi uma exacerbação desses efeitos que antes eram velados. Posto isso, temos como objetivo analisar a experiência subjetiva do cuidado vivenciada pelos profissionais de saúde na assistência ao paciente com COVID-19, utilizando para isso uma leitura psicanalítica. Trata-se de um estudo qualitativo em que foi aplicado entrevistas clínicas a 15 profissionais de saúde de cinco categorias, a saber: medicina, fisioterapia, enfermagem, psicologia e serviço social. A coleta dos dados ocorreu em dois hospitais de alta complexidade, localizados na cidade de Fortaleza. A análise das narrativas foi executada por meio da leitura dirigida pela escuta psicanalítica, considerando como operadores de análise aqueles significantes mestres que configuraram as narrativas. Foi percebida a formação de duas sequências narrativas: um cuidado narrado a partir da perspectiva do conhecimento científico, em que a experiência subjetiva do cuidado estava voltada para o seu parâmetro técnico; e uma segunda sequência narrativa contendo a experiência de cuidado guiada pela dimensão subjetiva em se que evidenciou o cuidado relacional. Quanto à primeira, os profissionais relataram o sofrimento psíquico presente diante da falta de conhecimento sobre a doença, a exigência de produtividade, a dificuldade de sentir o que acontecia consigo e relato do uso de uma postura evitativa relacionada ao contato com os pacientes. Quanto à segunda narrativa, foi observado um cuidado que se construía a partir da relação evidenciando a construção do cuidado em equipe, a presença de circuitos afetivos, efeitos subjetivos diante do excesso de mortes e da condição de ineditismo, a queixa de cansaço como um excesso emocional e também experiências transformativas, culminando em um trabalho subjetivo. Diante dessas narrativas, elaboramos a proposta de pensar um cuidado advertido, no sentido de os profissionais de saúde estarem de alguma forma advertidos de que o cuidado comporta uma incompletude e uma impossibilidade de dar conta de tudo, porque estamos partindo do sujeito do inconsciente dividido em sua essência e sustentado pelo desejo. Por isso, o cuidado pode ser considerado como uma das profissões impossíveis semelhantes ao que Freud reconhecia em analisar, educar e governar. Para a construção do cuidado singular propõe-se o uso do dispositivo da escuta empática, que possa ser pensada não a partir do campo das identificações, mas como um terceiro momento de reconhecimento e acolhimento ao que existe de diferente e construir um cuidado singular que corresponde à unicidade presente em cada relação. Para sustentar esse cuidado advertido, é preciso tomar ainda como condição a importância de um cuidado de si que comporte uma transformação subjetiva. Por isso, os hospitais podem apostar em espaços que favoreçam, em alguma medida, ações que permitam um cuidado de si e não apenas o aprimoramento técnico, permitindo que os profissionais, ao cuidarem de si, possam se disponibilizar a escutar os seus pacientes em sua singularidade construindo também práticas de cuidado singulares.