A subnotificação sobre o tráfico de pessoas e suas interseções com a colonialidade do poder e a exploração dos corpos: um estudo no Núcleo de Enfrentamento do Estado do Ceará

Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: 2024
Autor(a) principal: Lima, Priscila Nottingham De
Orientador(a): Não Informado pela instituição
Banca de defesa: Não Informado pela instituição
Tipo de documento: Tese
Tipo de acesso: Acesso aberto
Idioma: por
Instituição de defesa: Universidade Estadual do Ceará
Programa de Pós-Graduação: Não Informado pela instituição
Departamento: Não Informado pela instituição
País: Não Informado pela instituição
Link de acesso: https://siduece.uece.br/siduece/trabalhoAcademicoPublico.jsf?id=116197
Resumo: O tráfico de pessoas é uma prática contemporânea que apresenta contornos complexos e interseccionais. Consideramos que ele reflete padrões de poder historicamente constituídos, manifestando múltiplas violências não perceptíveis à primeira vista. Devido à impossibilidade de abarcar toda ampla variedade de modalidades de exploração nesse tema, limitamos nosso foco principalmente ao tráfico para fins de exploração sexual e trabalho análogo ao escravo, visto que são as formas mais representativas nas estatísticas nacionais e globais. De modo transversal, e em vista da experiência de atuação local da pesquisadora, abordamos um pouco sobre o trabalho doméstico nesse contexto de violência. À vista disso, o estudo direciona-se a mulheres e homens cisgêneros adultos, com ênfase no Estado do Ceará, um dos pioneiros no enfrentamento dessa questão no Brasil, através da trajetória histórica do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP/CE), que em sua primeira composição, criada em 2005, surge de um projeto piloto intitulado Escritório de Enfrentamento e Prevenção ao Tráfico de Seres Humanos e Assistência a Vítima do Estado do Ceará (EEPTSH/CE). Observamos que desde 2013, houve um declínio acentuado nos atendimentos realizados por essa instituição, chegando a zerar suas notificações em alguns anos. Diante disso, nosso objetivo geral é analisar a subnotificação histórica crescente no NETP/CE e sua relação com a exploração dos corpos sob a perspectiva da colonialidade do poder. Argumentamos nessa tese que a colonialidade do poder é central para essa subnotificação, atravessando as dinâmicas de exploração e invisibilizando o fenômeno, o que impacta a implementação e eficácia das políticas públicas de enfrentamento. A metodologia utilizada é qualitativa, incluindo pesquisa bibliográfica, documental e de campo, com base na Análise de Discurso Crítica (ADC). Realizamos entrevistas com cinco profissionais que atuam ou atuaram no NETP/CE e/ou PAAHM/CE e uma profissional que coordenou a Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE/CE). A entrevista com a profissional da COETRAE/CE foi necessária para identificar lacunas na integração com o NETP/CE, aspecto importante visto que ambos possuem pautas comuns. Entrevistamos ainda uma técnica do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Martinópole/CE, que atendeu 26 homens em 2021 submetidos ao tráfico para trabalho análogo ao escravo na região, casos esses não acompanhados pelo NETP/CE. Também entrevistamos duas lideranças comunitárias do Grande Pirambu, em Fortaleza, ficticiamente chamadas de Francisco e Susana. O estudo revela que a desconexão entre as políticas públicas e as dinâmicas locais das comunidades, a falta de capilaridade dos serviços e uma intersetorialidade truncada comprometem a efetividade das ações governamentais. Ademais, a criação de estruturas paralelas, como a COETRAE/CE, fragmentou a pauta do tráfico humano, mascarando a realidade e contribuindo para a subnotificação. Nas comunidades, as vivências de um tráfico de pessoas diferente do que o discurso hegemônico apresenta, muito mais marcado por macroviolências estruturais e dinâmicas específicas da região alimentam a invisibilidade da questão. Concluímos que essa invisibilidade é intensificada pela colonialidade do poder, que perpetua e naturaliza desigualdades e opressões, contribuindo para a marginalização de grupos sociais historicamente desfavorecidos e silenciados.