Detalhes bibliográficos
Ano de defesa: |
2022 |
Autor(a) principal: |
Viana, Thiago Mena Barreto |
Orientador(a): |
Não Informado pela instituição |
Banca de defesa: |
Não Informado pela instituição |
Tipo de documento: |
Tese
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Tipo de acesso: |
Acesso embargado |
Idioma: |
por |
Instituição de defesa: |
Universidade Estadual do Ceará
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Programa de Pós-Graduação: |
Não Informado pela instituição
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Departamento: |
Não Informado pela instituição
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País: |
Não Informado pela instituição
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Link de acesso: |
https://siduece.uece.br/siduece/trabalhoAcademicoPublico.jsf?id=108005
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Resumo: |
Introdução Os romances sentimentais populares, designação genérica para textos centrados em narrar histórias de amor, são o subgênero literário mais lido no Brasil. As três últimas edições da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2011, 2015, 2019) revelam que, nas preferências do nosso público leitor, os romances de amor, aparecem em segundo lugar, só perdendo no ranking dos livros prediletos para a Bíblia. No entanto, apesar de fazer parte das práticas de leitura de milhares de leitores país afora, os livros sentimentais não possuem este mesmo prestígio como objeto de estudo entre os pesquisadores brasileiros. No Brasil, a Sociologia da Literatura, tradicionalmente, tem se detido nas interfases entre literatura e construção da nação brasileira. Esse percurso foi aberto por Cândido (1981, 1971) , traduzido, segundo o autor, pela consciência por parte dos escritores brasileiros de seu papel na constituição da literatura nacional. Na expressão do próprio Cândido (1996), a formação da literatura brasileira é, de certa maneira, um estudo de formação do pensamento brasileiro no campo da literatura canônica. Essa tradição, portanto, não elege, historicamente, como objeto de reflexão os romances de amor populares . Por outro lado, a Sociologia da Comunicação, em especial aquela vinculada a Ortiz Ramos (2001, 2002) que instituiu como objeto de pesquisa textos ficcionais que se desenvolveram à margem da literatura canônica, contribuiu para dar alguma forma de expressão e legitimidade sociológica às produções literárias mais contemporâneas. No entanto, apesar de tomar como campo de reflexão uma ampla variedade de bens culturais, sua abordagem se aproxima de uma tradição que vem mais da oralidade, da iconografia e do audiovisual do que do que campo literário propriamente dito. Neste contexto, a literatura sentimental só encontrou lugar de destaque na nossa academia em sua expressão mais elitista o romance folhetim de meados do século XIX bem cultural que no Brasil, ao contrário de seus congêneres na Europa, foi usufruto, devido às altíssimas taxas de analfabetismo de antanho, das classes mais abastadas do período. Nesta seara, sobressaiam-se as reflexões que se debruçavam sobre os autores românticos pertencentes à literatura canônica como José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo e Machado de Assis (em sua fase romântica). No entanto, enquanto os estudos sobre o romance folhetim floresciam, as pesquisas sobre a literatura sentimental de cunho popular do século seguinte foram quase inexistentes. Neste sentido, os estudos literários brasileiros se detiveram, durante décadas, em eleger como objeto de reflexão as obras canônicas desse subgênero, deixando de lado as expressões literárias mais populares, o que contrastava com a perspectiva de Darnton (1982) que apregoava que o interesse do estudioso da literatura deveria se concentrar não nos livros raros, nas edições de luxo, nos autores reverenciados pelos círculos cultos, mas no tipo mais comum de obra, aquela capaz de mostrar a experiência literária dos leitores comuns. Nesta perspectiva, somente em fins do século XX, despontam as primeiras referências sobre essa literatura, destacando-se as reflexões seminais de Borelli (1999, 1996) e Bosi (1991) que, ainda que tangencialmente, trouxeram a temática dos romances sentimentais populares para suas pesquisas. Borelli (1996) avançou nos estudos sobre o tema ao reivindicar um lugar próprio de análise para a literatura ficcional de entretenimento que não tomasse por base as competências do campo literário constituído e sim a construção de parâmetros próprios, rompendo com a noção de uma lógica literária única fundamentada em princípios cultos. Bosi (1991) vai em direção semelhante ao pesquisar os hábitos de leitura de mulheres operárias na periferia de São Paulo, destacando, em suas práticas, a existência de matrizes culturais que se interpenetravam. Nos anos de 1970, Bosi (1991) constata que mulheres operárias em São Paulo incluíam livros da Coleção Biblioteca das Moças , adquiridos em sebos, como prediletos em seus hábitos de leitura, o que nos orientava a pensar que o consumo de bens culturais podia sair de sua classe de origem passando para outra classe social , adquirindo novos significados a partir de filtros culturais diversos (DARNTON, 1986). Em fins dos anos de 1990, Cunha (1999) inaugura uma nova era para os estudos na área ao centrar suas reflexões sobre a literatura sentimental popular presente entre os anos de 1930 e 1950 no Brasil, enfatizando em sua análise as obras da mais bem sucedida autora do período, M. Delly. Com Cunha (1999), pela primeira vez, o romance sentimental adquire status de objeto de estudo de primeira grandeza. Porém, as aventuras epistemológicas de Cunha, apesar de causarem certo impacto na área educacional (da qual a pesquisadora era oriunda), adquiriram pouco relevo nas Ciências Sociais. Contudo, sua pesquisa abriu, certamente, novas perspectivas para os estudos sobre literatura sentimental popular no Brasil. Na entrada do novo milênio, a literatura sentimental de cunho popular começa lentamente a encontrar um espaço maior na academia, porém, ainda de forma muito incipiente. Em geral, quando os romances de amor populares aparecem como objeto de reflexão estão vinculados ao universo das letras, o que, apesar de salutar, circunscreve sua abordagem às questões, problemas e impasses típicos dessas áreas de saber. Nesta seara, destacam-se as pesquisas de Meirelles (2002) e de Russo (2012) sobre os romances sentimentais populares, em especial, os comercializados em bancas de revista ou em sebos em comparação com a literatura sentimental romântica europeia do século XIX como a de Charlotte Brontë e Jane Austen ou com ícones da literatura popular das primeiras décadas do século XX como M. Delly. As autoras se detiveram essencialmente em análises que privilegiaram a linguagem e a estrutura desses romances e seu posicionamento no mercado editorial, aplicando os princípios da literatura de massa ou os ditames da literatura romântica para alicerçarem suas reflexões. Neste sentido, o que reúne essas duas pesquisas é a noção de que a obra literária era o ponto de partida ou de chegada para a pesquisa (ALVES, TEIXEIRA e LEÃO, 2018, p.239). Não se levava em consideração, para compor o quadro de análise, o papel das editoras, dos leitores, dos revisores, dos livreiros, dos copiadores ou dos críticos. Nesta perspectiva, o contexto histórico, local, nacional e internacional de produção, circulação e consumo das obras em análise é basicamente inexistente. Enquanto isso, na Europa e nos Estados Unidos, os romances de amor populares penetram no campo acadêmico de forma contundente, em especial, a partir de fins dos anos de 1970, pelo viés dos estudos culturais , especificamente, em sua vertente mais feminista . Nesta perspectiva, a pesquisa de Radway (1987) sobressai-se como um importante divisor de águas sobre os estudos que elegeram a literatura sentimental popular como ponto central de suas reflexões . Esta pesquisadora, como bem o afirmam Botelho e Hoelz (2016), defendeu, a partir de suas experiências com uma comunidade de leitura de romances de amor populares do meio oeste norte americano, uma compreensão da leitura como prática social e cultural, colocando questões até então pouco exploradas a respeito de quem lê o quê, de que maneira o faz e como a leitura de romances de amor se relaciona a outras atividades cotidianas das fãs do gênero. Contudo, o que une todas essas pesquisas, de horizontes tão diversos, é o fato de que nenhuma delas se deteve sobre o impacto da chamada revolução digital no mercado de compra e venda dos romances de amor populares. Em linhas gerais, a expressão revolução digital está intrinsecamente relacionada ao surgimento do que Castells (1999) denomina de sociedade em rede que se origina em um período histórico da reestruturação global do capitalismo para o qual foi uma ferramenta essencial. Assim, trata-se de uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas a partir do desenvolvimento dos computadores de alta velocidade e performance. Esse entrelaçamento das práticas de leitura com inovações tecnológicas nos lembra, como bem afirmou Braga (2008, p,01) que as ações de ler e escrever não se restringem simplesmente aos atos de codificação e decodificação da palavra escrita. Por serem construções sociais, elas são dotadas de sentido e, portanto, devem estar vinculadas a determinadas épocas e circunstâncias. No entanto, apesar de a revolução digital ter transformado drasticamente as práticas de produção, circulação e leitura de romances sentimentais populares, pouco sabemos ainda sobre o teor dessas mudanças, seu escopo, tamanho e dimensões. Assim, indagar sobre as transformações sofridas pelo mercado de romances sentimentais populares a partir da incorporação da revolução digital no Brasil é um instigante caminho de pesquisa que ainda está engatinhando em relação a este bem cultural. Se Darnton (1982) argumentava, no início dos anos de 1980, que o livro deveria ser entendido como uma força histórica e, portanto, os estudos sobre o livro necessitariam ser compreendidos como uma história social e cultural da comunicação impressa (DARNTON, 1982, p. 65), precisamos, após a chegada da revolução digital, começar a nos perguntar sobre a continuidade dessa história para além do livro impresso, especificamente, em seus desdobramentos no universo digital. Entrementes, apesar da urgência de realização de pesquisas nesta direção, no que diz respeito ao universo da literatura de amor popular, essa abordagem é ainda escassa. Por aqui, são raras as pesquisas nesta área, destacando-se, neste campo, os trabalhos seminais de Andrade e Feitosa (2018), Andrade e Silva (2020, 2015) e Andrade, Barreto e Feitosa (2021) que trataram, em perspectivas e approches distintos, dos processos de produção, circulação e consumo dos romances sentimentais populares na internet, dando ênfase aos novos suportes e plataformas que dão materialidade a este tipo de literatura. Neste contexto, lembremo-nos de que os romances sentimentais contemporâneos passaram por vários suportes distintos desde seu surgimento em fins do século XIX. Produzidos originalmente apenas em versões impressas, no rodapé dos jornais franceses, inauguraram o que Meyer (1996) denomina de terceira fase do romance folhetim na qual o romance folhetim sai do universo das aventuras mirabolantes de heróis redentores e adentra nos encontros e desencontros dos corações apaixonados. Dos rodapés de jornais, os romances sentimentais rapidamente passam, no século seguinte, a serem impressos, em formato de livros, em tiragens cada vez mais amplas. No século XXI, podem ser encontrados em diferentes suportes digitais, tanto na forma de e-books como de audiobooks . No que diz respeito à produção de novos suportes para o livro, destacamos o fato de que a mesma tecnologia que permite a entrada dos livros digitais no mercado editorial também media a transformação das leitoras de romances em produtoras seja como criadoras de conteúdos em redes sociais, fomentando uma cultura de nicho (ABDIN, 2019), seja como autoras independentes , gerando um sistema paralelo de produção, circulação e de consumo de livros sentimentais. Neste contexto, a própria ideia de fruição de um livro sentimental passa a ser expandida na contemporaneidade. Esta não se encerra na finalização do último capítulo da obra, independentemente de seu formato ou suporte. Redes sociais, plataformas de streaming e aplicativos voltados especificamente ao consumo dos romances sentimentais e seus congêneres possibilitam interações entre leitores e produtores de conteúdos, a exemplo da Ubook, Audible, Storytel, Scribd, Apple Books, Google Play Livros, dando um tom inédito ao mercado do livro em início de milênio. Essas transformações nas práticas de leitura de romances sentimentais, por meio das plataformas digitais, promoveram o crescimento do número de leitores e escritores brasileiros, em especial, daqueles que se dedicam aos romances de amor ao mesmo tempo em que vem diminuindo o distanciamento secular existente entre produtores e consumidores de obras literárias. Mas, esta revolução não se dá apenas no âmbito de sua produção. O próprio público consumidor tem originado espaços inéditos de circulação e consumo de romances sentimentais como sites, blogs, canais e perfis em redes sociais que retroalimentam o mercado, gestando novas formas de consumo e fruição para esse bem cultural. Assim, o que caracteriza as novas comunidades de leitura , sediadas nas redes sociais, é o fato de que, de forma diversa dos círculos literários típicos do século passado, no mundo virtual não há a figura do mediador privilegiado aquele que poderia ser chamado de especialista ou crítico literário. No século XX, cabia ao crítico literário dar a interpretação verdadeira, penetrante, engenhosa, original de uma obra em particular, de um autor específico, de uma escola literária, o que requeria conhecimentos e lugares de fala devidamente sancionados pelo próprio campo literário (HOLANDA, 2012). Contudo, esta realidade se transforma com a chegada da revolução digital no mercado do livro. A entrada de comunidades de leitura na internet, em blogs, sites ou nas redes sociais não significa apenas um novo locus para a circulação de ideias, mas essencialmente, uma mudança na própria natureza, teor, orientação do debate que não está mais vinculado a uma voz autorizada porque as redes sociais rompem com as hierarquias do gosto (BOURDIEU, 2007), propondo uma agenda de discussão sobre a literatura que não é mais pautada pelos ditames dos círculos cultos. Neste contexto, a figura do leitor legítimo de uma obra esvanece. Agora, temos uma multiplicidade de leitores que emitem opiniões sobre um livro, um autor, um suporte a partir de experiências de uso, hábitos incrustados, formas particulares e individualizadas de experimentar a leitura. Nesse sentido, essas transformações ocorridas no circuito de produção, circulação e consumo do mercado do livro a partir de sua filiação à revolução digital é nosso objeto de reflexão. Desta feita, para entendermos estas novas práticas de produção, circulação e leitura de romances sentimentais e suas reverberações no mercado, elegemos como objeto de análise o universo dos audiobooks sentimentais desde sua produção por parte das grandes editoras, pelas plataformas e aplicativos de autopublicação ou ainda pela sua incorporação à prática da pirataria à sua chegada em plataformas digitais como o YouTube e em redes sociais como o Facebook. Deter-nos-emos nesse suporte e em suas formas de circulação e consumo porque compreendemos que toda literatura é uma forma histórica da narração cujo desenvolvimento necessariamente ocorre no interior de uma determinada materialidade. Assim, é necessário desnaturalizar a experiência literária contemporânea cuja base remete à página escrita (impressa ou eletrônica) como sinônimo de livro, leitura e leitor. Porém, tal empreitada não é tarefa fácil A própria palavra literatura carrega, em suas origens, esse enquadramento. Literatura é derivada da palavra littera, ou seja, letra, assim, por extensão, literatura remete ao caráter alfabético da cultura escrita. Daí, a noção comumente compartilhada de que literatura designa todo texto escrito. No entanto, na experiência medieval de leitura, de obra e de leitor, o moderno conceito de livro (impresso ou eletrônico) não faria sentido. Na Idade Média, em lugar da figura do leitor, geralmente solitário, como na experiência moderna de leitura silenciosa, destacava-se um grupo de ouvintes, reunido em torno do narrador. Neste contexto, a voz e o corpo do ator/autor constituem uma materialidade muito diferente da que será criada com o advento e a difusão da imprensa. Essa perspectiva outra literatura (corpórea, performática) acaba por modificar drasticamente o sentido da palavra literatura que implicava, até então, a totalidade do saber referente às artes da escrita e da leitura; em suma, vinculava a existência do livro à palavra escrita (ROCHA, 2008). Ora, se a invenção dos tipos impressos foi um fator fundamental no desenvolvimento da acepção moderna do termo literatura, como conceituar as produções literárias que sucedem a invenção de Gutenberg, em especial, a dos audiobooks que se não remonta, por conta do aparato tecnológico que lhe é imprescindível, ao medievo, nele encontra importantes matrizes culturais? Nesta perspectiva, enfatizamos o fato de que a leitura não é apenas uma operação intelectual abstrata e o texto não existe em si mesmo, independente do suporte material que possibilita sua leitura e da circunstância na qual é lido (ou ouvido) (CHARTIER e CAVALLO, 1998, p.08-09). Neste contexto, o uso da internet e a emergência de novas tecnologias têm permitido a criação e a expansão de espaços de criação, circulação e fruição do livro inéditos para a história das práticas de leitura. Neste cenário, os usuários podem produzir, compartilhar ou difundir projetos criativos assim como construir suas identidades e desenvolver novas formas de gerir suas relações. Os novos leitores criam assim, no Facebook, comunidades virtuais onde comentam ou negociam o significado dos textos, em quaisquer de seus formatos, meios e modalidades (TORREGO e GUTIÉRREZ, 2018). Neste sentido, o surgimento de comunidades de leitura nas redes sociais nos faz estarmos diante de um fenômeno interessante: o surgimento de novos nichos de mercado, formados por especialistas amadores que utilizam suas habilidades para construir, não uma base de relacionamento com os produtos filmes, livros, programas de televisão, música e videogames (MASSAROLO e ALVARENGA, 2009), mas o estabelecimento de um princípio de interação com a comunidade de leitura da qual fazem parte. Especificamente, para fins dessa pesquisa, vamos nos centrar nos grupos privados do Facebook e nos canais do YouTube que se dedicam a comentar, resenhar, publicizar e compartilhar (em geral, a partir de esquemas de pirataria) os audiobooks sentimentais populares. Assim, para além da compreensão dos princípios que regem a produção dos audiobooks, a investigação sobre a sua circulação em espaços virtuais nos permite detectar a produção secundária que se esconde nos processos de sua utilização (DE CERTEAU, 1994) que segue interesses e regras próprias que ultrapassam os ditames do mercado do livro tradicional. É instigante, pois, pensarmos como se dá a formatação das dinâmicas que regem esses sítios virtuais porque cremos que tal compreensão nos daria uma maior transparência sobre as inúmeras maneiras a partir das quais as práticas de leitura se estabelecem na contemporaneidade. Desta forma, lembramos que a produção, circulação e consumo de audiobooks referem-se a posicionamentos paradoxais em relação às economias presentes no mercado do livro. São paradoxais porque são vividos na contemporaneidade a partir de uma série de contingências histórico-sociais que deram origem a esses bens culturais mas que, de alguma forma, são lançadas para fora delas. Assim, ainda temos muito a compreender sobre a linguagem, estrutura, formato e estética dos audiobooks, sobre as novas práticas de leitura que têm ensejado, sobre os limites e desafios das legislações que tentam acompanhar as novas tecnologias inseridas em suas produções, sobre os espaços de resistência que podem vir a engendrar. Faz-se, então, necessário ainda entender melhor seus usos; o alcance que podem ter; as táticas adotadas por seus consumidores bem como as estratégias dos seus próprios produtores. Nesse sentido, o século XXI é bastante desafiador para desvendar qual o lugar e o papel do livro no mercado de bens culturais da contemporaneidade. Neste novo milênio, para além da tinta e papel, nossa fruição literária é possibilitada pelas tecnologias digitais que nos permitem ler mediados por telas ou, até mesmo, ouvir nossas histórias favoritas enquanto realizamos outras atividades. Assim, hardwares e softwares passam a se incorporar ao cotidiano de leitores e leitoras que encontram, nestes recursos, formas também de se conectarem com outras pessoas. Desta feita, criam e expandem uma comunidade leitora virtual que produz, transforma ou reatualiza experiências literárias que repercutem no mercado editorial, transformando sua dinâmica em várias dimensões diferentes. Nosso interesse recai, assim, sobre o mercado editorial frente aos desafios inéditos promovidos pela incorporação dessas novas tecnologias. Neste sentido, nossa pesquisa centra seus esforços em realizar uma história das práticas de leitura (CHARTIER e CAVALLO, 1998). Esse conceito nos permite enfatizar, por um lado, a historicidade da leitura (suas variantes históricas de forma, técnica, suporte e sentido) e, por outro, seus mecanismos de apropriação e circulação, que resultariam em uma multiplicidade de usos dos romances de amor populares em questão. Em nossas incursões preliminares em espaços digitais, tais como blogs, sites especializados e redes sociais, nos chamou atenção a frequência com que leitoras e editoras passavam a tratar das versões digitais dos livros de amor. Nestes espaços, as histórias de amor eram disponibilizadas tanto em formato e-book como também em audiobook. Instigados pela curiosidade destes formatos, buscamos pelo assunto em fóruns on-line e nos deparamos com uma prática de produção de conteúdos nestes formatos e na aparente construção de uma comunidade leitora virtual que promovia debates, trocas e promoções de títulos, experiências estéticas e sensoriais sobre as obras, seus autores, suas editoras e as plataformas disponíveis para seu usufruto. Nessa perspectiva, nosso viés de pesquisa recai inevitavelmente sobre os usos da literatura no cotidiano dos indivíduos, em especial, nas múltiplas formas como estes usos têm sido mediados por inovações tecnológicas que se materializam em revoluções digitais, transformando drasticamente o que chamamos de processo social de criação, circulação e fruição dos bens culturais. Nesta perspectiva, cremos, à semelhança das reflexões de Bourdieu (2007) ser necessário, nesta pesquisa, explicitar a estrutura do mercado editorial dos romances de amor populares na entrada do novo milênio, enfatizando o seu modus operanti de funcionamento, evidenciando os posicionamentos e as tomadas de posições dos agentes que nele estão imersos, salientando as estratégias empreendidas pelos agentes (editores, autores, leitores) para nele integrarem-se. Para tal, nos indagamos: como a revolução digital vem modificando o mercado do livro? Em especial, como os audiobooks são produzidos e disponibilizados pelas grandes editoras do mercado? De que forma as editoras se apropriaram das novas tecnologias digitais para produzir, fazer circular e publicizar os livros que se apresentam nessas novas plataformas? Como a comunidade de fãs de histórias de amor está presente nas redes sociais? Como o mercado das grandes editoras vem lidando com as inúmeras plataformas de autopublicação que pululam na internet? Como esses novos escritores produzem esses audiobooks? Como publicizam e comercializam seus produtos? Porém, no bojo dessas inquietações devemos lembrar que as mesmas tecnologias que permitiram às editoras ampliar seu acervo de obras disponíveis e modificar suas estratégias de vendas também permitiram a reprodução não autorizada de obras cujos direitos autorais não caducaram e/ou não foram cedidos por seus autores. Estamos, pois, diante do maior pesadelo contemporâneo das grandes editoras, a pirataria. Em sites especializados em divulgar, fazer circular e discutir romances de amor bem como em canais do Youtube que existem com o mesmo propósito, os livros impressos dantes produzidos apenas pelas editoras, são transformados de forma artesanal em e-books e depois pirateados para o formato de audiobooks, sendo acessados pelos dispositivos de áudio de celulares e de computadores. A existência desses fenômenos nos faz termos a convicção de que estamos, pois, diante das microrresistências que proporcionam ao indivíduo microliberdades (GIARD, 1994), capazes, primordialmente, de promover pressões sobre o próprio sistema de produção de bens culturais, modificando eventualmente sua trajetória. Se o mercado do livro elabora estratégias para ampliar seu mercado, essas estratégias se deparam com o que De Certeau (1994) denomina como táticas, isto é, mecanismos utilizados por aqueles que não possuem o controle dos meios produtivos, no entanto, ainda assim, conseguem modificar, transformar ou mesmo subverter, de maneira mais ou menos astuta, os lugares de poder estabelecidos pelo capital em uma dada ordem social. Neste contexto, as comunidades de fãs dos romances sentimentais que se situam no Facebook assim como inúmeros canais no Youtube sobre os romances sentimentais populares se utilizam, frequentemente, de audiobooks piratas, disponibilizando-os gratuitamente em suas páginas. Neste sentido, indagamos ainda: como os audiobooks piratas, de feição doméstica, são criados e socializados nesses espaços? De que forma esses livros artesanais entram no circuito de discussão estabelecido por esses sítios virtuais? Entrementes, esses espaços virtuais não são apenas lugares de compartilhamento de obras que ferem a propriedade intelectual de autores de romances populares, são também sítios que revelam como essas obras circulam entre seus leitores, criando lugares de sociabilidades inéditos para a sua fruição. Nesta perspectiva, nos questionamos: como funcionam os grupos privados no Facebook e nos canais do Youtube que discutem, comentam, resenham, publicizam e disponibilizam os audiobooks de amor populares? Que assuntos são mais frequentes nessas páginas? Como eles são tratados? Qual a dinâmica interna dessas fanpages? De que maneira seus usuários lidam com os conflitos, as dissonâncias e as controvérsias ali desenvolvidas? Neste sentido, este trabalho intenda compreender como se situa o mercado editorial de livros de amor populares na era da revolução digital. Em especial, a pesquisa busca se deter sobre uma materialização dessa incorporação tecnológica: os audiobooks. Esse novo suporte, cremos, representa uma nova era para um mercado editorial que se firmou por séculos sobre as obras impressas. Assim, pretende-se desvendar o que é este novo suporte, como é produzido (pelas grandes editoras, pelas plataformas de autopublicação, pelas comunidades de fãs através da sua pirataria), como é publicizado e circula nos grupos fechados de discussão de romances populares do Facebook e nos canais do Youtube. Acreditamos que uma abordagem de tal ordem seja necessária na medida em que, como bem o afirmam Chartier e Cavallo (1998, p.08) toda análise da história dos livros e das práticas de leitura deve levar em consideração as coerções que limitam a frequência aos livros e a produção do sentido, incluindo-se aí, as estratégias editoriais, a legislação dos direitos autorais vigentes, o suporte material das obras, seu contexto histórico e as expectativas, normas e interditos das comunidades de leitores em que as obras circulam. Assim, para dar conta desses propósitos, temos percorrido um caminho complexo, repleto de múltiplas estratégias metodológicas, incorporadas à proporção que os desafios do objeto em questão nos impuseram. Destacamos, aqui, em especial, nossas dificuldades para adentrarmos no universo dos audiobooks, especificamente em seu contexto de produção, circulação e consumo. O estado de arte desse objeto nos demonstrou a total inexistência, no Brasil, de artigos, papers, dissertações, teses ou livros que se debrucem sobre este objeto. A única referência acadêmica que dava conta, ao menos parcial e tangencialmente desse bem cultural, foi encontrada em Thompson (2013), em sua extensa reflexão sobre a dinâmica do mercado editorial contemporâneo. Nesta obra, Thompson dedica cerca de quatro páginas a este bem cultural. A quase total ausência de informações sobre a produção, circulação e consumo de audiobooks nos fez recorrer aos artigos disponíveis no mercado editorial sobre o assunto. As revistas especializadas em economia, administração e negócios têm publicado extensas matérias sobre esse novo bem cultural, animadas pelo crescimento em proporções bastante significativas de seu consumo . Assim, para entender os meandros da produção de um audiobook e seus impactos no mercado do livro, tivemos que recorrer diretamente a dados do próprio mercado. Contudo, essa fonte de informação, apesar de preencher várias inquietações da pesquisa, mostrou-se ainda insuficiente. A ausência de uma literatura especializada sobre os audiobooks tornou necessária a realização de entrevistas com profissionais de sua linha de produção, uma vez que, informações sobre o processo de construção de um audiobook só existem de forma primária em matérias jornalísticas sobre o assunto. Desta feita, fizemos entrevistas com pessoas partícipes deste mercado, desde aqueles que trabalham no processo de criação dos romances, como autores, revisores e narradores bem como conversamos com leitores, tanto os comuns como os especiais, aqueles que em seus blogs pessoais e perfis em redes sociais divulgam e difundem livros específicos, autores e suportes, trazendo para o debate público os meandros das estratégias editoriais para a sua divulgação e comercialização. Nesta perspectiva, o campo exigiu a realização de entrevistas diretivas, isto é, a partir de perguntas precisas, pré-formuladas e com uma ordem preestabelecida, com esses agentes do mercado a fim de que pudéssemos melhor entender como são feitos audiobooks, que tipo de recursos materiais e humanos requerem, que custos estão envolvidos em sua produção etc. Assim, para entendermos melhor como se produz um audiobook, entrevistamos o ator Roberto Rocha que é mais conhecido por interpretar a personagem Nino do musical Castelo Ra Tim Bum entre outros trabalhos na televisão, cinema, teatro e que tem como segunda profissão, dar sua voz a personagens de inúmeros audiobooks disponíveis no mercado. Por outro lado, entrevistamos também Eliane Hatherly Paz, que trabalha como revisora dos audiobooks que se especializou na produção de livros sentimentais para este mercado, em geral, centrando-se na transposição para audiobooks das obras de Barbara Cartland, autora que entrou para o guiness book como a que mais publicou romances sentimentais mundo afora. A fim de entendermos as estratégias contemporâneas das editoras no que diz respeito ao mundo virtual, entrevistamos ainda uma digital influencer. Miriã Mikaely, ou Mika como se apresenta em suas redes sociais é uma influenciadora digital voltada ao nicho dos romances. Presentes nas principais redes sociais como Instagran, Facebook e YouTube sua produção é voltada para compartilhar suas impressões sobre as leituras que realiza. A jovem brasiliense de 24 anos trabalha em parceria tanto com editoras como com autoras independentes em projetos de divulgação de livros e promoção de eventos. Para adentrarmos no universo da pirataria dos romances sentimentais mais populares, Fátima Barbosa foi outra de nossas entrevistadas. Fátima Barbosa é leitora voraz de romances sentimentais. Ela participa de grupos no Facebook e compartilha, nesses espaços, tanto suas impressões sobre as leituras que realiza bem como os livros que pirateia das grandes editoras, disponibilizando-os em formato PDF. A brasileira, que no momento da entrevista residia em Londres (UK), ainda realizava a tradução de alguns títulos ainda inéditos em português e compartilhava gratuitamente com outras leitoras. Por fim, com o intuito de sabermos um pouco mais sobre o fenômeno da autopublicação, entrevistamos Aline Damasceno, escritora de romances sentimentais populares. Seu livro, publicado apenas em formato digital, esteve entre os mais vendidos pela Amazon durante abril de 2021. Formada em museologia, Aline passou a escrever romances de amor após trancar um curso de mestrado em História. Para darmos conta da produção doméstica de audiobooks, fomos aos canais que disponibilizam conteúdos sobre o assunto presentes no YouTube. Para tal, nos centramos em quatro canais que difundem, publicizam, discutem esses audiobooks artesanais: Paola Aleksandra, Leituras da Mary, Amor em Livros e Audiobook Total. Nestes canais, podemos ver, em forma de vídeos, os comentários de suas idealizadoras e idealizadores sobres seus romances de amor prediletos, dentre eles, os que se tornaram audiobooks artesanais, que estão disponibilizados gratuitamente ou, no caso do canal AudioBook Total, que aparecem prontos para a sua comercialização. Desta forma, para compreendermos os processos de circulação dos audiobooks de amor populares em suas comunidades leitoras, percorremos variados caminhos metodológicos. Inicialmente, realizamos uma análise de conteúdo em postagens colhidas na rede social Facebook, no interior de grupos dedicados aos romances sentimentais. Com o objetivo de compreender como se dá a circulação de audiobooks entre o público brasileiro, optamos por realizar, num primeiro momento, uma busca ativa em comunidades virtuais de leitores com vistas a encontrar, entre os inúmeros assuntos ali elencados, postagens que dissessem respeito a esse suporte . Nossa coleta de dados junto ao Facebook se deu em dois momentos. No primeiro, para encontrarmos essas leitoras na rede, nos apoiamos no trabalho feito por Andrade e Silva (2015) que analisaram dez projetos de democratização da leitura presentes na internet. Utilizamos a ferramenta de busca do próprio Facebook para buscar por esses grupos, entre janeiro e março de 2020. Os Grupos selecionados nesta etapa da pesquisa eram todos do tipo privado. Após a autorização de nossa entrada, passamos a acompanhar o cotidiano das comunidades sem, no entanto, nos manifestarmos em qualquer postagem ou interagindo com outros membros. Nosso objetivo, nesta etapa, era o de conhecer as práticas de sociabilidades que as leitoras de romances sentimentais desenvolviam neste espaço virtual por meio da análise da frequência de postagens, dos conteúdos mais populares, dos temas mais relevantes, das polêmicas e discussões em foco nas páginas. A partir das informações apuradas, poderíamos traçar uma metodologia adequada de coleta de dados e definir nossas categorias e indicadores de análise. Feito isto, seguimos para a fase seguinte. Selecionamos 54 (cinquenta e quatro) Grupos do Facebook e começamos nosso trabalho de leitura de postagens que tratavam sobre romances sentimentais populares. Após essa primeira entrada no campo, fizemos um processo de burilamento, diminuindo o nosso universo de pesquisa para 38 (trinta e oito) comunidades de leitura. Essa ação foi necessária porque as referências aos audiobooks, vitais para a nossa pesquisa, encontravam-se em apenas em 38 dessas 54 comunidades. O resultado dessas leituras foi transformado em dados numéricos e organizado em tabelas e gráficos. Para tanto, recorremos ao arcabouço metodológico da estatística descritiva e analítica . A estatística descritiva foi aplicada junto aos grupos fechados do Facebook analisados de modo a dar detalhes sobre a produção de conteúdo referido ao nosso objeto ao longo de determinado período de tempo. A estatística analítica foi incorporada por meio do teste de Qui-quadrado para comparação da distribuição de frequências entre os grupos principais nos parâmetros adotados. Esses recursos nos permitiram detectar quais os principais temas ali discutidos, as práticas de leitura presentes, as regras de convivência dessas comunidades de leitura e suas estratégias de sobrevivência. O uso de recursos estatísticos, contudo, para dar conta das inserções da literatura na internet não é uma prática comum nas pesquisas da área. De fato, é extremamente rara. Em geral, as pesquisas, quando ocorrem, se detém em análises de cunho qualitativo. A aplicação de métodos estatísticos foi, assim, um enorme desafio de análise porque nos sentimos como desbravadores de um território ainda desconhecido tanto para o campo literário como para o sociológico. Os resultados de nossos esforços podem ser encontrados nas reflexões que se seguem. No que diz respeito às análises das dinâmicas internas dos trinta quatro grupos privados no Facebook selecionados e dos quatro canais do YouTube recortados para essa pesquisa, tivemos que recorrer ao que a academia tem cunhado como etnografia virtual. O termo tem tentado dar conta do surgimento de objetos de estudo, envoltos nas chamadas novas tecnologias da comunicação e da informação que necessitam de procedimentos metodológicos inéditos para a sua compreensão. Neste contexto, se coloca a questão de como pesquisar estas práticas de circulação dessas obras, estabelecendo formas de identificar sua configuração, de mapear a teia de relações que se criam e recriam nestes espaços e de decifrar as dinâmicas que estes dão suporte. Neste processo, é importante pensar técnicas, métodos e teorias que incorporem este objeto de estudo. Cabe, portanto, ao pesquisador estudar combinações e adequações de outros contextos para analisar o ambiente virtual ao mesmo tempo em que não se descarta o surgimento de novas ferramentas de análise, criadas no bojo do espaço virtual. Os novos regimes de leitura presentes no Facebook evidenciam interações que se fazem e refazem em um ambiente social extremamente fluido e ao mesmo tempo impregnado de representações que obedecem a certo compartilhamento de práticas e de discursos que orientam a dinâmica destes espaços virtuais, configurando não só velhas, mas também novas formas de lidar com o livro. Neste sentido, faz-se necessário, como bem o lembrou Malinoviski (1978) aplicar certos métodos especiais de coleta, manipulação e de registro de dados, ao mesmo tempo em que é imprescindível alimentar a descrição densa, defendida por Geertz (1989), que requer respeitar o princípio da totalidade, mas, também realizar uma estratificação hierárquica de estruturas conceituais complexas, sobrepostas e interligadas que compõem, no nosso caso específico, os espaços virtuais especializados em romances sentimentais. Neste sentido, deve-se estar atento às adaptações e novidades que se nascem de uma etnografia clássica e a ela deve necessariamente transcender. Se a etnografia clássica tem como foco principal a observação participante, no caso da etnografia virtual é possível, caso se deseje, ficar invisível. Este ficar invisível é um tipo de participação implícita no ambiente virtual (BRAGA, 2006). No caso específico dos grupos do Facebook selecionados, creio que é esta participação invisível que irá viabilizar a apreensão de aspectos da cultura de leitura dos livros sentimentais na rede porque permite ao pesquisador elaborar a posteriori uma descrição densa do ambiente, o que demanda uma compreensão detalhada dos significados compartilhados por seus membros e da rede de significação em questão. Por outro lado, o tempo de observação de campo se transforma radicalmente na rede. As postagens, por exemplo, dos fãs do gênero, tanto podem ser captadas no momento mesmo em que estão ocorrendo bem como, graças às possibilidades de backup que os arquivos digitais oferecem, serem captadas de forma offline, o que permitiria seu acesso, pos facto. O observador penetra, pois, em uma interação social congelada no tempo, permitida graças aos recursos offline que o ambiente virtual suporta. Para fins desta pesquisa, em princípio, numa primeira instância, foi feito o usufruto da participação invisível em espaços virtuais tais como os grupos do Facebook. A etnografia virtual requer, pois, inovações metodológicas, uma vez que, ela não se dá em um espaço concreto, mas em comunidades que se assemelham às comunidades presenciais, porém, delas também se diferenciam, às vezes, de forma radical. Deste modo, temos realizado nossa pesquisa utilizando o percurso metodológico da etnografia virtual de coleta e de análise de dados arquivais proposto por Kozinets (2014), ou seja, coletamos diretamente as postagens desses espaços virtuais assim como os respectivos comentários tanto dos produtores tanto dos usuários do Youtube como do Facebook cujos conteúdos aparecem de forma in natura na rede. Nossa entrada em campo, neste momento, deu-se de forma invisível, o que viabilizou uma descrição densa do ambiente observado. Os conteúdos, destacamos, estão disponibilizados de forma aberta nesta plataforma online, não sendo necessário nenhum tipo de solicitação de ingresso para seu acesso. Nessa perspectiva, propomos uma divisão de capítulos que está, diretamente, movida por uma série de perguntas que nos fizemos ao longo dessa pesquisa. Essas perguntas aparecem, textualmente, durante toda a feitura dos capítulos. A nossa pretensão era de que o leitor acompanhasse, passo a passo, como fomos descobrindo e redescobrimento o nosso objeto de pesquisa. Aqui, não pudemos nos furtar de informar que esse objeto foi clareando à medida que adentramos nas redes sociais e vimos todos os seus deslocamentos nesse espaço que, por si só, se caracteriza por uma extensa fluidez. Assim, orientamos nosso leitor para a compreensão dessa pesquisa em cinco capítulos. No primeiro capítulo, denominado de Romances Sentimentais, Revolução Digital e Comunidades Leitoras, contextualizamos a trajetória histórica dos romances sentimentais desde suas origens até os seus desdobramentos nas redes sociais. Para tal, descortinamos como a revolução digital impactou o mercado editorial de romances de amor populares na entrada do novo milênio. Neste capítulo, descrevemos as principais mudanças ocorridas na produção dessa literatura desde sua chegada ao Brasil, nos rodapés de jornais, até sua incorporação aos sites disponibilizados pelas editoras para a publicização e venda de romances bem como sua chegada às redes sociais, em especial, às páginas dessas editoras no Facebook, a mais famosa e popular dessas redes. As estratégias das editoras para se conectarem com as fãs de romances de amor foram, portanto, aqui, descortinadas. No segundo capítulo, O que fazem as leitoras de romances de amor populares nas redes sociais?, nos dedicamos a refletir sobre como as leitoras de romances de amor constroem suas táticas para se fazerem presentes, com vez e voz ativa, nas comunidades de leitura existentes no Facebook que elas mesmas promovem. No bojo dessas comunidades, damos destaque aos novos agentes do campo literário que surgem a partir dessa cultura digital. E como estamos no espaço das inserções dessas leitoras nesse mercado, adentramos no fenômeno que mais tem movimentado o mercado do livro na entrada do novo milênio: as plataformas de auto publicação tais como o Wattpad e o KDP . No terceiro capítulo, denominado de Amor ao Pé do Ouvido, discutimos como se dá a produção, a circulação e o consumo dos audiobooks sentimentais na contemporaneidade. Para tal, refletimos sobre a natureza do novo suporte, suas características, a forma como é consumido e os desafios e limites de sua expansão no mercado do livro. Assim, entramos no universo das editoras e plataformas que disponibilizam este bem cultural bem como adentramos nos canais do Youtube que divulgam audiobooks artesanais e domésticos, oriundos de processos de pirataria de livros impressos pelas grandes editoras. No quarto capítulo Os Audiobooks nas Redes Sociais abordamos a presença dos audiobooks nos grupos de fãs de romances sentimentais disponíveis no Facebook. Neste capítulo, discutimos a frequência com que os audiobooks são citados nestas páginas e com que intensidade, dentro de quais gêneros ele é discutido, em quais grupos privados sua existência é priorizada, quanto seguidores possuem, em que direção esse fluxo de discussão desemboca, que interações permitem e em que contexto de ordens e desordens, liberdades e interditos essas discussões ocorrem. Para tanto, fizemos uso dos estudos estatísticos para embasar a análise de conteúdo que realizaremos em postagens de consumidoras de audiobooks nesses grupos privados. No quinto capítulo Os Sons dos Audiobooks, narramos como os membros desses grupos direcionam o debate público sobre a sua natureza, suas características, seus meios de difusão e de fruição etc. Para tal, partimos de quatro eixos fundamentais de análise: a publicidade, a enquete, a opinião e a resenha. Para tal, caracterizamos cada um desses grupos de postagens e desvendamos como este leitor não autorizado pensa, sente, percebe, entende a experiência de leitura de um romance de amor no formato de um audiobook. Ao longo dos capítulos, fizemos uso do recurso de quadros com a reprodução dos textos expressos em postagens e comentários das publicações que cotejamos dos grupos do Facebook que selecionamos. Isso se fez necessário porque a leitura, a partir da reprodução direta dos conteúdos, se tornava inviável ou pelo tamanho das fontes ou ainda pela disposição do texto frente às dimensões das folhas aqui utilizadas. Nos quadros, mantivemos a escrita adotada pelos atores sociais, com os desvios à norma culta da gramática brasileira e as iconografias adotadas no ato de sua escrita. Convidamos, pois, nossos leitores a iniciar a leitura desse extenso percurso que fizemos para dar conta, do mercado de audiobboks sentimentais na contemporaneidade. Convite feito, vamos à sua leitura.   |